Origens da Devotio Morderna: PARTE 2 - Proclo Liceu ou Damáscio?
Autor: ERNESTO SERGIO MAINOLDI
Tradução: Prof. Gabriel Sapucaia
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A Transfiguração do Legado de Proclo: Pseudo-Dionísio e a Escola Neoplatônica de Atenas
I. Pseudo-Dionísio é Cristão ou Cripto-Pagão?
A historiografia moderna sobre Pseudo-Dionísio teve início com as descobertas de Hugo Koch e Joseph Stiglmayr¹, no final do século XIX, que identificaram uma evidente conexão textual entre as obras de Proclo Licêu Dídoco e o Corpus Dionysiacum Areopagiticum (CDA).² Essas descobertas filológicas fornecem informações cruciais sobre o contexto histórico que produziu essa obra pseudoepigráfica. Desde então, outras evidências têm demonstrado a relação próxima entre Pseudo-Dionísio e a escola neoplatônica de Atenas. Entre elas, destacam-se a monografia de Eugenio Corsini, que considera De Divinis Nominibus um texto representativo da tradição neoplatônica de comentários ao Parmênides³; os estudos "clássicos" de Henri-Dominique Saffrey, que apresentam novos vínculos objetivos entre Pseudo-Dionísio e Proclo⁴; e o trabalho fundamental de Salvatore Lilla, que identificou traços da influência de Porfírio e Damáscio sobre Pseudo-Dionísio.⁵
Em especial, a descoberta da dependência textual do CDA em relação às obras de Damáscio, o último didascálico da escola neoplatônica de Atenas, sugere que a atividade especulativa de Pseudo-Dionísio pode ser datada para os últimos anos da instituição ateniense (década de 520).
Influências Neoplatônicas e a Perspectiva Cristã
A influência de Proclo e Damáscio sobre a escrita do CDA não implica necessariamente que Pseudo-Dionísio tenha adotado as mesmas perspectivas filosóficas dos dois mestres neoplatônicos. O texto do CDA apresenta elementos que sugerem um desejo de superar o pensamento procliano e se distanciar das soluções aporéticas damascianas. No entanto, uma tendência historiográfica consolidada assume a proximidade de Pseudo-Dionísio com a escola neoplatônica de Atenas como prova de sua inserção no paradigma de pensamento neoplatônico, interpretando seu cristianismo como uma espécie de "casca artificial" criada para proteger, em um contexto religioso hostil, os vestígios do pensamento neoplatônico genuíno.
Essa visão, já presente no julgamento de Martinho Lutero sobre Pseudo-Dionísio⁶, recentemente levou o filólogo bizantinista Carlo Maria Mazzucchi a propor que o autor do Areopagitica seria Damáscio, o último didascálico de Atenas.⁷ Essa hipótese, definida por Tuomo Lankila como a "hipótese cripto-pagã",⁸ sugere que o CDA seria um complô pagão e anticristão, configurando sua forma mais radical.⁹
Hipóteses e Controvérsias
Outra forma da hipótese cripto-pagã, formulada por Lankila e Ronald Hathaway¹⁰, argumenta que a intenção de Pseudo-Dionísio seria garantir a sobrevivência da filosofia neoplatônica sob uma cobertura cristã.¹¹ Nessa visão, o paradigma cristão não seria o núcleo do pensamento dionisíaco, mas apenas uma estratégia externa.
Por outro lado, outro grande corrente na historiografia dionisíaca relaciona o misterioso autor do CDA aos círculos monofisitas e origenistas da Palestina e da Síria. Essa hipótese baseia-se em evidências de pontos de contato entre o CDA e a cultura eclesiástica da Síria Ocidental cristã no final do século V. Tais evidências incluem:
A recepção precoce do CDA na Síria, como a tradução feita por Sérgio de Reshaina e o livro pseudoepigráfico Hieroteu Santo.
A recepção positiva do CDA em círculos monofisitas moderados, como o de Severo de Antioquia, o primeiro autor a citar o CDA.
As semelhanças entre os ritos descritos na Hierarquia Eclesiástica (EH) e a liturgia e eucologia sírias, observadas inicialmente por Stiglmayr.¹²
O Enigma da Identidade de Pseudo-Dionísio
A questão dionisíaca no século XX e no início do XXI tem sido caracterizada como uma disputa silenciosa entre estudiosos de diferentes áreas disciplinares (historiadores da filosofia, siríacos, patrólogos e teólogos), cada qual reivindicando Pseudo-Dionísio para seu campo e destacando elementos do CDA que se conectam mais claramente com sua disciplina.
Uma exceção notável é o trabalho de István Perczel, que explorou o amplo espectro de implicações disciplinares do CDA, oferecendo uma explicação mais geral: um monge cristão, proveniente do mundo monástico sírio, um origenista e expoente da cristologia diopsista, ex-aluno da escola neoplatônica de Atenas e convertido ao cristianismo.¹³ Essas conclusões são plausíveis, mas não explicam totalmente o projeto dionisíaco.
Werner Beierwaltes argumenta que Pseudo-Dionísio é, ao mesmo tempo, neoplatônico e cristão. No entanto, essa explicação não elimina a possibilidade da hipótese cripto-pagã em sua forma moderada, que postula que a inspiração cristã é secundária à conformidade de Pseudo-Dionísio com o paradigma neoplatônico.
Estudos recentes destacam a necessidade de examinar a composição do texto do CDA, em vez de apenas identificar suas fontes. Contribuições de Bernhard Brons¹⁷ e Mihai Nasta¹⁸ sugerem que o CDA pode ser um mosaico textual, escrito em diferentes etapas e possivelmente por mais de um autor.
Introdução
Neste artigo, busco aprofundar alguns dos aspectos filosóficos do Corpus Dionysiacum Areopagiticum (CDA), comparando-os com as contribuições de Proclo e Damáscio, a fim de verificar até que ponto o pensamento de Pseudo-Dionísio pode ser considerado em continuidade com as reflexões desses grandes pensadores neoplatônicos. Muitas vezes, as correspondências conceituais e terminológicas entre autores cristãos e pagãos da Antiguidade Tardia são interpretadas como prova de uma continuidade paradigmática. No entanto, tanto autores cristãos quanto pagãos frequentemente buscavam enfatizar descontinuidades doutrinárias.
Pseudo-Dionísio transformou a filosofia neoplatônica para adaptá-la à visão paradigmática cristã do mundo, empregando argumentos e terminologia das obras de Proclo, seu possível mestre, e Damáscio, seu provável colega na escola de Atenas, removendo todos os elementos que vinculavam a filosofia desses pensadores à teologia pagã e sua visão de mundo.
A transformação do neoplatonismo realizada por Pseudo-Dionísio, especialmente em relação à exegese do Parmênides, é descrita por Stephan Gersh como um "reapensar revolucionário".¹⁹ Meu objetivo é mostrar que a reinterpretação do neoplatonismo por Pseudo-Dionísio foi guiada por uma consciência paradigmática. Essa abordagem permitiu que o CDA aceitasse a forma externa da filosofia pagã para transformá-la, estabelecendo um hiato doutrinário por meio de uma continuidade formal. Essa estratégia pode ser descrita como uma apropriação com a intenção de redirecionar a filosofia para novos caminhos. Além disso, a análise de alguns dos mais marcantes argumentos filosóficos no CDA revela indícios de um debate teórico na tessitura dessa obra pseudoepigráfica, fornecendo informações valiosas sobre sua elaboração.
II. A Lei da Mediação
A primeira questão a ser examinada é como o neoplatonismo é compatível com o paradigma das hierarquias apresentado por Pseudo-Dionísio. A segunda é se o sistema hierárquico dionisíaco é uma aplicação estrita do princípio da mediação, como geralmente se presume.
A lei da mediação é, de fato, um dos aspectos principais do universo dionisíaco, uma vez que a transmissão dos dons de cima, por meio de intermediários hierárquicos, desempenha um papel central na definição da ordem hierárquica. Contudo, essa não é a única forma de transmissão dos dons teárquicos prevista no CDA. Pseudo-Dionísio concebe dois modos de transmissão dos bens divinos: o imediato e o mediado.
Em Hierarquia Celestial (CH), ele afirma:
"Assim, a ordem intermediária das inteligências celestiais manifesta sua conformidade com Deus. Isso, como foi dito, é como ela alcança purificação, iluminação e perfeição, indiretamente (δευτέρως), a partir dos esclarecimentos divinos por meio da primeira ordem hierárquica, transmitidos de forma secundária por essa ordem intermediária (καὶ διὰ μέσης ἐκείνης δευτεροφανῶς διαπορθμευομένων)."²⁰
Aqui, fica claro que o primeiro modo de transmissão é por iluminação direta, enquanto o segundo é mediado hierarquicamente. Em geral, podemos observar que nos dois primeiros tratados do CDA (CH e Hierarquia Eclesiástica, EH), o princípio da mediação é mais enfatizado. Já em Nomes Divinos (DN), o princípio da imediatez ganha maior destaque:
"O Bem é descrito como luz (φῶς νοητὸν ὁ ἀγαθὸς λέγεται) da mente porque ilumina a mente de todos os seres supracelestes com a luz da mente, e porque expulsa das almas a ignorância e o erro que ali habitam (πᾶσαν δὲ ἄγνοιαν καὶ πλάνην ἐλαύνειν ἐκ πασῶν). Ele dá a todas elas uma parcela de luz sagrada (καὶ πάσαις αὐταῖς φωτὸς ἱεροῦ μεταδιδόναι). Ele remove a névoa da ignorância dos olhos da mente."²¹
A Interação Direta e o Conceito de Sinergia
O princípio da interação direta com as energias divinas parece estar implicado no conceito de sinergia:
"Esse primeiro grupo [i.e., ordem] é particularmente digno de comungar com Deus e de compartilhar em sua obra (συνεργίας). Ele imita, na medida do possível, a beleza da condição e da atividade divina (τῶν καλῶν ἕξεών τε καὶ ἐνεργειῶν)."²²
Além disso, de acordo com a teologia e terminologia neotestamentária, Pseudo-Dionísio fala de graça, um conceito que implica a transmissão direta dos bens divinos às criaturas:
"E assim ocorre que toda ordem na hierarquia é elevada, na medida de sua capacidade, à cooperação com Deus. Pela graça e por um poder concedido por Deus (ἐκεῖνα τελοῦσα χάριτι καὶ θεοσδότῳ δυνάμει), ela realiza atos que pertencem naturalmente e sobrenaturalmente a Deus, atos realizados por ele de forma transcendente e revelados na hierarquia (ἱεραρχικῶς ἐκφαινόμενα) para a imitação permitida às mentes amantes de Deus."²³
Neste trecho, Pseudo-Dionísio distingue a graça do poder natural. A graça é concedida diretamente por Deus, mesmo que seja transmitida por meio da hierarquia. O papel das ordens hierárquicas é auxiliar as ordens inferiores a cumprirem as condições de conhecimento e purificação que lhes permitem participar dos dons teárquicos. Seguindo essa mesma lógica, Pseudo-Dionísio concebe a oração (DN III, 1) como uma faculdade para mover-se anagogicamente e diretamente para Deus, sem passar por qualquer mediação.
A Função da Hierarquia
No tratado Hierarquia Eclesiástica (EH), Pseudo-Dionísio afirma que a função da hierarquia é auxiliar o movimento anagógico de todas as ordens, mas também especifica que a iluminação não é concedida pelos membros superiores da hierarquia, pois ela provém diretamente de Deus:
"As ordens que vêm em sucessão a esses seres superiores são elevadas de maneira sagrada por sua mediação à iluminação no trabalho sagrado da divindade (πρὸς τὴν θεουργὸν τῆς θεαρχίας). Elas formam as ordens dos iniciados e são assim nomeadas."²⁴
Esse modo de transmissão característico da hierarquia na distribuição dos dons divinos se alinha perfeitamente com o monoteísmo absoluto expresso em Nomes Divinos (DN) XI:
"O ser absoluto que subjaz às manifestações individuais de ser como sua causa não é um ser divino ou angélico, pois apenas o ser transcendente em si pode ser o princípio, o ser e a causa do ser dos seres. Nem temos aqui um outro ser divino produtor de vida distinto daquela vida supra-divina que é a causa originária de todos os seres vivos e da própria vida. Em resumo, Deus não deve ser pensado como idêntico àqueles seres e substâncias criadoras originárias que homens estupidamente descrevem como certos deuses ou criadores do mundo."²⁵
A Transcendência de Deus e Suas Energias
A afirmação de uma causalidade única atuando no universo é um aspecto distintivo do monoteísmo dionisíaco. Pseudo-Dionísio defende a compatibilidade entre a transcendência absoluta de Deus e suas extensões providenciais, recorrendo à teoria das energias/operações, o que implica uma interação imediata:
"...em sua total unidade, ele está além de todas as limitações. Ele não é contido nem compreendido por nada. Ele alcança tudo e vai além de tudo com uma generosidade infalível e uma atividade incessante (ἀλλὰ διατεῖνον ἐπὶ πάντα ἅμα καὶ ὑπὲρ πάντα ταῖς ἀνεκλείπτοις ἐπιδόσεσι καὶ ἀτελευτήτοις ἐνεργείαις)."²⁷
A hierarquia não emana a Graça, mas transmite a iluminação como conhecimento de Deus. A hierarquia apoia a purificação de cada ordem como condição preliminar para a transmissão dos dons divinos, mas o que é transmitido procede apenas e diretamente de Deus. O conceito de "hierarquia", um neologismo dionisíaco, reflete a concepção religiosa do universo como produto de uma única causa intencional.
Ícones das Operações Divinas
Mesmo no EH, onde a mediação é fortemente enfatizada, lemos sobre as energias divinas que operam através das ordens hierárquicas. Isso é evidente na descrição das funções eclesiásticas como "ícones das operações divinas":
"Dado que as diferenças de função clerical representam simbolicamente as atividades divinas (τῶν θείων ἐνεργειῶν) e concedem iluminação correspondente à ordem pura e não confusa dessas atividades, suas atividades sagradas e ordens santas foram organizadas hierarquicamente na tríplice divisão de primeiro, meio e último, de modo a apresentar uma imagem da ordem e da natureza harmoniosa das atividades divinas. A divindade primeiro purifica as mentes que alcança e as ilumina. Após essa iluminação, ela as aperfeiçoa em conformidade perfeita com Deus. Assim sendo, é claro que a hierarquia, como uma imagem do divino, é dividida em ordens e poderes distintos para revelar que as atividades da divindade (ἐναργῶς ὑποδεικνῦσα τὰς θεαρχικὰς ἐνεργείας) são preeminentes pela santidade absoluta, pureza, permanência e distinção de suas ordens."²⁸
A Teoria das Energias e o Princípio Único
Se a hierarquia representa a ordem pela qual as energias divinas operam, essas energias são distintas porque pertencem à Tearquia, não à hierarquia. A compreensão dos princípios de imediatismo e sinergia é fundamental. Considerar o universo dionisíaco governado apenas pela transmissão mediada transformaria esse cosmos em um sistema emanatista, no qual a causalidade seria espalhada entre diferentes níveis subordinados. Em vez disso, a mediação deve ser vista como uma função sinérgica, na qual as ordens hierárquicas superiores auxiliam as inferiores na participação dos dons da Tearquia.
A Unificação de Henad e Monad
Pseudo-Dionísio rejeita a multiplicidade de princípios apresentada por Proclo, unificando os conceitos de henad e monad em Deus:
"[...] todas essas expressões celebram a Deidade suprema ao descrevê-la como uma monad ou henad, por causa de sua simplicidade sobrenatural e unidade indivisível (ὡς μονάδα μὲν καὶ ἑνάδα διὰ τὴν ἁπλότητα καὶ ἑνότητα τῆς ὑπερφυοῦς ἀμερείας)."³⁶
Ao fazê-lo, ele evita a necessidade de postular distinções intermediárias entre o Princípio Primeiro e o Uno, o que era essencial para a henologia de Proclo e Damáscio. A causalidade única e a transcendência radical são preservadas em sua totalidade, eliminando o politeísmo filosófico do sistema neoplatônico.
A Crítica à Multiplicidade Proclina e a Unicidade Dionisíaca
A insistência de Pseudo-Dionísio na unicidade do princípio causal reflete sua rejeição à henologia proclina, onde múltiplos princípios (como henads e archai) eram introduzidos como intermediários entre o Uno e o Intelecto (Nous). No sistema proclino, as henads representavam divindades individuais associadas ao politeísmo grego, formando um nível intermediário crucial. Pseudo-Dionísio, no entanto, elimina essa camada intermediária ao unificar o conceito de henad e monad em um único Deus transcendente:
"O ser absoluto, a vida absoluta e a divindade absoluta (αὐτοθεότητά), são nomes que significam princípio, divindade e causa, e são aplicados à única causa transcendente e ao princípio além de todo princípio (τὴν μίαν πάντων ὑπεράρχιον καὶ ὑπερούσιον ἀρχὴν καὶ αἰτίαν)."⁴²
Essa simplificação do mundo suprassensível elimina a necessidade de múltiplos princípios e reafirma a supremacia do único Deus como causa de todas as coisas. A eliminação da multiplicidade de princípios também é evidente na distinção que ele faz entre "divindade absoluta" (divinity itself) e "deificação absoluta" (deification itself). Enquanto a primeira é não-participada, a última é participada, e os seres deificados são contados entre os entes criados.
Os Nomes Divinos como Princípios Nominais
Embora Pseudo-Dionísio utilize o termo archai (princípios) no plural, ele o faz principalmente para referir-se às hierarquias angelicais. No entanto, em Nomes Divinos (DN), ele aplica o termo "princípios" ao contexto da causalidade divina:
"O Bem é a causa até mesmo dos princípios e dos limites dos céus (καὶ τῶν οὐρανίων ἀρχῶν καὶ ἀποπερατώσεων αἰτία τἀγαθόν)."⁴³
Nesse contexto, ele enfatiza que os princípios participam do ser (Being), mas não estão além do ser:
"Todos os princípios de qualquer coisa que exista são, primeiro, existentes e, depois, princípios (Καὶ γοῦν αἱ ἀρχαὶ τῶν ὄντων πᾶσαι τοῦ εἶναι μετέχουσαι καὶ εἰσὶ καὶ ἀρχαὶ εἰσὶ καὶ πρῶτον εἰσίν, ἔπειτα ἀρχαὶ εἰσίν)."⁴⁵
A insistência de Pseudo-Dionísio nesses tópicos pode ser explicada por seu desejo de evitar qualquer possível conexão com os princípios proclinos que estão além do Ser (Being). Mas o que são os "princípios", segundo Pseudo-Dionísio? Para ele, os "princípios" são os nomes divinos, que não possuem nenhuma independência causal em relação à vontade de Deus, enquanto único princípio causal. Consequentemente, os nomes divinos podem ser referidos como "princípios", mas apenas de forma nominal, já que são nomes do Princípio, e não princípios por si mesmos.
Dele e nele estão o próprio Ser, o princípio dos seres (αἱ τῶν ὄντων ἀρχαὶ), todo o ser e tudo mais que possui uma porção de existência. Essa característica está nele como um traço irreprimível, abrangente e singular.⁴⁶
Na mesma direção, Pseudo-Dionísio reformula o conceito de henade para distanciar seu sistema do de Proclo. Nos textos areopagíticos, o plural de ἑνάς ocorre apenas uma vez como genitivo plural (ἑνάδων; a forma nominativa ἑνάδες nunca aparece), e somente em DN, uma clara diferença em relação ao uso abundante desta palavra por Proclo e Damáscio. Podemos argumentar que essa característica principal da terminologia procliniana-damasciana, ligada não apenas ao conceito de intermediação, mas também à justificação do politeísmo grego tradicional, foi completamente removida por Pseudo-Dionísio: o termo ἑνάς é, na maior parte das vezes, entendido por Pseudo-Dionísio como sinônimo de μονάς, um dos nomes de Deus.⁴⁷
Em apenas uma ocorrência no plural, em todo o CDA, o uso da palavra ἑνάς pode ser assimilado à teologia procliniana, e isso ocorre quando Pseudo-Dionísio fala de "henades angélicas".⁴⁸ Ao definir os anjos como 'henades', Pseudo-Dionísio manifesta sua intenção de remeter à terminologia aplicada aos deuses pelos neoplatonistas. No entanto, enquanto em Proclo as henades-deuses estão além do Ser, isto é, são supra-essenciais, segundo Pseudo-Dionísio, os anjos são entidades ontológicas, criadas em ousia, dynamis e energeia.⁴⁹ O uso das mesmas palavras empregadas por Proclo pode indicar que a intenção de Pseudo-Dionísio era sublinhar sua diferença conceitual em relação à compreensão procliniana. Ao mesmo tempo, podemos observar que Pseudo-Dionísio nunca utiliza μονάς no plural, enquanto Proclo e Damáscio empregam este termo no plural várias vezes para definir os deuses particulares.⁵⁰
Em DN XI.6 — uma das mais marcantes instâncias de apologia monoteísta em todo o CDA —, Pseudo-Dionísio apresenta afirmações que nos garantem que seu ponto de partida são as henades de Proclo, das quais ele deseja se distanciar:
O ser absoluto subjacente às manifestações individuais do ser como sua causa não é um ser divino ou angélico, pois apenas o ser transcendente em si pode ser o princípio, o ser e a causa do ser dos seres (τὸ ὑπερούσιον ἀρχὴ καὶ οὐσία καὶ αἴτιον).⁵¹
Concluindo, Pseudo-Dionísio não pretende seguir o esquema teórico delineado pelo sistema procliniano. Ele direciona sua reflexão em uma direção assintótica em relação ao esquema filosófico do Diádoco. No entanto, o objetivo do autor do CDA não foi apenas uma adaptação do sistema neoplatônico tardio ao quadro paradigmático cristão. Antes, trata-se principalmente de uma postura clara e firme diante das críticas dirigidas a Proclo por Damáscio a respeito do Primeiro Princípio e da possibilidade de conceber um Princípio além do Uno.⁵²
IV. Conflito de Triadologias
Outro ponto importante de comparação entre a especulação de Pseudo-Dionísio e os desenvolvimentos do pensamento neoplatônico tardio é o da triadologia damasciana. Damáscio lida com o problema da triadicidade como um possível desdobramento do problema da multiplicidade e da alteridade no inteligível, assumindo que não pode haver multiplicidade, alteridade ou número no inteligível. Dessa forma, por meio de um argumento especulativo, Damáscio chega a uma solução que soa como uma demonstração da impossibilidade da Trindade cristã. Este argumento se encaixa perfeitamente no programa de apologética antirristã defendido por Damáscio.⁵³
O argumento fornecido pelo último diádoco procede como segue: em De primis principiis I.6, ele recorda o princípio pelo qual o Uno (τὸ ἓν) em si mesmo não pode ser equiparado a um conceito numérico, pois expressa simplicidade; a "díade indefinida" (ἡ δυὰς μετὰ τὸ ἓν ἡ <ἀόριστος>), que vem após o Uno, não é a soma de duas mônadas, mas é a causa geradora de tudo. O Uno é assimilado ao princípio chamado de "Pai" pelos Oracula Caldaica, que possui o poder de "gerar tudo" (πατὴρ πάντα γεννᾶν δυνάμενος).⁵⁴
A partir dessa Mônada e dessa Díade, Damáscio deriva a Tríade, que "por natureza possui o caráter do unificado" (τριὰς κατὰ φύσιν ἔχουσα τὸ ἡνωμένον) e, como Díade que se converte ao Uno, é o "intelecto paternal" (νοῦς πατρικός).⁵⁵
Segue-se, em primeiro lugar, que o Pai, em seu poder gerador, é toda a Tríade (ὅλη τριάς), e, em segundo lugar, que a Tríade é a Mônada, não como a primeira expressão da multiplicidade, mas como causa da multiplicidade; em terceiro lugar, que a Tríade é a simplicidade da forma unitária de tudo (μονοειδὴς τῶν πάντων ἁπλότης).⁵⁶ O princípio do monismo noético sobre o qual esse argumento se baseia leva à afirmação de que "o Pai é o Uno, o poder ilimitado do Uno é a multiplicidade, e o intelecto do Pai é o Todo".⁵⁷
Concluindo, Pseudo-Dionísio não pretende seguir o esquema teórico delineado pelo sistema procliniano. Ele direciona sua reflexão em uma direção assintótica em relação ao esquema filosófico do Diádoco. No entanto, o objetivo do autor do CDA não foi apenas uma adaptação do sistema neoplatônico tardio ao quadro paradigmático cristão. Antes, trata-se principalmente de uma postura clara e firme diante das críticas dirigidas a Proclo por Damáscio a respeito do Primeiro Princípio e da possibilidade de conceber um Princípio além do Uno.⁵²
IV. Conflito de Triadologias
Outro ponto importante de comparação entre a especulação de Pseudo-Dionísio e os desenvolvimentos do pensamento neoplatônico tardio é o da triadologia damasciana. Damáscio lida com o problema da triadicidade como um possível desdobramento do problema da multiplicidade e da alteridade no inteligível, assumindo que não pode haver multiplicidade, alteridade ou número no inteligível. Dessa forma, por meio de um argumento especulativo, Damáscio chega a uma solução que soa como uma demonstração da impossibilidade da Trindade cristã. Este argumento se encaixa perfeitamente no programa de apologética antirristã defendido por Damáscio.⁵³
O argumento fornecido pelo último diádoco procede como segue: em De primis principiis I.6, ele recorda o princípio pelo qual o Uno (τὸ ἓν) em si mesmo não pode ser equiparado a um conceito numérico, pois expressa simplicidade; a "díade indefinida" (ἡ δυὰς μετὰ τὸ ἓν ἡ <ἀόριστος>), que vem após o Uno, não é a soma de duas mônadas, mas é a causa geradora de tudo. O Uno é assimilado ao princípio chamado de "Pai" pelos Oracula Caldaica, que possui o poder de "gerar tudo" (πατὴρ πάντα γεννᾶν δυνάμενος).⁵⁴
A partir dessa Mônada e dessa Díade, Damáscio deriva a Tríade, que "por natureza possui o caráter do unificado" (τριὰς κατὰ φύσιν ἔχουσα τὸ ἡνωμένον) e, como Díade que se converte ao Uno, é o "intelecto paternal" (νοῦς πατρικός).⁵⁵
Segue-se, em primeiro lugar, que o Pai, em seu poder gerador, é toda a Tríade (ὅλη τριάς), e, em segundo lugar, que a Tríade é a Mônada, não como a primeira expressão da multiplicidade, mas como causa da multiplicidade; em terceiro lugar, que a Tríade é a simplicidade da forma unitária de tudo (μονοειδὴς τῶν πάντων ἁπλότης).⁵⁶ O princípio do monismo noético sobre o qual esse argumento se baseia leva à afirmação de que "o Pai é o Uno, o poder ilimitado do Uno é a multiplicidade, e o intelecto do Pai é o Todo".⁵⁷
Conseqüentemente, a tentativa em si de falar de uma Tríade é apenas uma consequência da incapacidade do pensamento humano de conceber a natureza da Mônada como pura simplicidade e de apreender a multiplicidade e a totalidade com um ato simples da mente.⁵⁸
Damáscio evita, dessa forma, uma reconciliação aporética entre o Uno como gerador da multiplicidade e a estrutura triádica que emerge nesse processo de geração. Ao restaurar a primazia do Uno como simplicidade monádica, além de sua propriedade triádica, Damáscio abre caminho para sua concepção do princípio inefável que está além do Uno.⁵⁹
As três "principais" definidas pelo Pai, pelo poder paternal e pelo intelecto paternal, na realidade, não são nem uma nem três, nem uma e três ao mesmo tempo (οὔτε μία, οὔτε τρεῖς, οὔτε μία ἅμα καὶ τρεῖς), mas é apenas por necessidade que o pensamento é expresso com tais nomes e conceitos (διὰ τῶν τοιούτων ὀνομάτων καὶ νοημάτων).⁶⁰ Através desse argumento, Damáscio opõe uma séria alternativa aos fundamentos especulativos do dogma cristão da Trindade.
O argumento trinitário dionisíaco lida com o problema das "uniões e distinções" em Deus em dois passos distintos. Em relação à ἕνωσις, Pseudo-Dionísio afirma a absoluta transcendência da Trindade, que ele define como "enarquica", um neologismo que aparece em DN II. Com a expressão τῇ ἑναρχικῇ τριάδι, Pseudo-Dionísio afirma que a Tríade Divina (a Trindade) é o princípio de unidade, afirmando, consequentemente, que o Uno deriva da Tríade. Ele oferece, então, um exemplo de antinomia, dizendo que Deus é "unidade além do princípio de unidade" (ἡ ὑπὲρ ἑναρχίαν ἑνότης), mas ao mesmo tempo afirma as antinomias constituídas por sua "polinomicidade" (τὸ πολύφωνον), sua "inefabilidade" (τὸ ἄφθεγκτον), sua "incognoscibilidade" (ἡ ἀγνωσία) e sua "inteligibilidade completa" (τὸ παννόητον).⁶¹
Ao contrário de Damáscio, que exclui a antinomia entre a simplicidade da Mônada e sua triadicidade, alegando o argumento da "pobreza" (πενία) do pensamento humano, Pseudo-Dionísio assume a antinomia como um traço distintivo da tradição exegética das Sagradas Escrituras. Essa suposição permite-lhe reconciliar o princípio inefável com a unidade e a hipostaticidade triádica da Santíssima Trindade.⁶²
O argumento hiperousiológico e apofático, ao qual Pseudo-Dionísio se refere em DN XIII, explica a possibilidade da concepção de distinções e uniões superessenciais e hipostáticas em Deus ao mesmo tempo. Aqui novamente é muito provável que a triadologia damasciana seja alvo da elaboração dionisíaca. A resposta à questão de se os Três do Uno "são o mesmo ou diferentes, e se a Mônada é a Tríade", em De primis principiis de Damáscio, soa como segue:
São os três a mesma
coisa ou são diferentes, e a mônada é uma tríade? (καὶ τριὰς ἡ μονάς;)
Nenhuma dessas coisas é verdadeira. Não há nada disso naquela realidade: nem
identidade, nem diferença, nem tríade, nem mônada como distinta da tríade (οὐ
τριάς, οὐ μονὰς ἡ πρὸς τριάδα ἀντικειμένη). Não há antítese no inteligível
(οὐδεμία γὰρ ἀντίθεσις ἐν τῷ νοητῷ).⁶³
Esse resultado negativo, ao afirmar que a divindade não pode ser dita nem monádica nem triádica, teria soado, para um observador cristão, como uma crítica radical indiretamente dirigida ao dogma da Trindade. Pelo que posso perceber, Pseudo-Dionísio responde a esse argumento específico em DN XIII.3–4, aceitando o desafio baseado no extremo apofatismo apresentado por Damáscio. Movendo-se no mesmo terreno especulativo e terminológico, o autor de DN segue o mesmo caminho da negação apofática extrema:
"Há a unidade transcendente de Deus e a fecundidade de Deus, e, enquanto nos preparamos para cantar essa verdade, usamos os nomes Trindade e Unidade (τῇ τριαδικῇ καὶ ἑνιαίᾳ θεωνυμίᾳ τὴν ὑπερώνυμον ὀνομάζομεν) para aquilo que, na verdade, está além de todo nome, chamando-o de ser transcendente acima de todo ser. Mas nenhuma unidade ou trindade (οὐδεμία δὲ μονὰς ἢ τριάς), nenhum número ou unicidade, nenhuma fecundidade, de fato, nada do que é ou é conhecido pode proclamar esse mistério além de toda mente e razão da Divindade transcendente que transcende todo ser. Não há nome para ela ou expressão. Não podemos segui-la em sua morada inacessível tão acima de nós, e nem mesmo podemos chamá-la pelo nome de bondade."⁶⁴
Com relação aos tópicos das "uniões" (ἑνώσεις), Pseudo-Dionísio parece ter levado em conta os resultados da triadologia negativa de Damáscio com a intenção de superá-los. Baseando-se na perspectiva ortodoxa fixada pelos Padres Capadócios e voltando-se para o lado das "distinções" (διακρίσεις), o autor do CDA argumenta em DN II.2:
"Qualquer um que afirme que esse procedimento envolve uma confusão (σύγχυσιν) das distinções (διαιρέσεως) dentro de Deus não será capaz, acredito, de provar a verdade de sua alegação, nem mesmo para si mesmo. E se, nisso, ele estiver completamente em desacordo com as Escrituras, estará também muito distante do que é a minha filosofia, e se ele não dá valor à sabedoria divina das Escrituras, como posso eu introduzi-lo a uma compreensão real da Palavra de Deus?"⁶⁵
Nesse trecho, Pseudo-Dionísio dirige-se a "alguém" que rejeita as Sagradas Escrituras, muito provavelmente aludindo a um pensador pagão, com quem ele teria, podemos supor, uma disputa sobre as "distinções" apropriadas à magnificência de Deus (τῆς θεοπρεποῦς διαιρέσεως). Essa pessoa misteriosa, a quem Pseudo-Dionísio se dirige, pode ser simplesmente uma ficção literária que delineia o caráter geral de um filósofo pagão que rejeita o dogma cristão da Trindade, ou talvez possa se referir a uma pessoa real, alguém que realmente se opôs a Pseudo-Dionísio no tópico das distinções em Deus.
O fato de que Damáscio concebe as distinções relativas à tríade como uma representação nominal do pensamento humano, enquanto, segundo ele, a tríade inteligível é unidade absoluta e simplicidade, pode ser uma indicação de que o verdadeiro referencial da polêmica de Pseudo-Dionísio era precisamente Damáscio.
Essa suposição pode ser confirmada por outra definição trinitária dionisíaca em DN II, que merece nossa atenção:
"A teologia, ao lidar com o que está além do ser, recorre também à diferenciação. Não me refiro apenas ao fato de que, dentro de uma unidade, cada uma das pessoas indivisíveis está fundamentada de uma maneira não confusa e não misturada. Refiro-me também ao fato de que os atributos da geração transcendentemente divina não são intercambiáveis (τῆς ὑπερουσίου θεογονίας οὐκ ἀντιστρέφει πρὸς ἄλληλα). O Pai é a única fonte dessa Divindade que, de fato, está além do ser, e o Pai não é um Filho, nem o Filho é um Pai. Cada uma das pessoas divinas continua a possuir suas próprias características louváveis, de modo que aqui se encontram exemplos de uniões e de diferenciações (ἑνώσεις τε καὶ διακρίσεις) na unidade e subsistência inefável de Deus."⁶⁶
Essa declaração é surpreendente porque, entre as numerosas heresias trinitárias que emergiram até o século VI, nenhuma jamais argumentou pela intercambiabilidade do Pai e do Filho; mesmo a antiga heresia de Sabélio (ca. 215 d.C.), que sustentava que as três Pessoas da Trindade eram meros nomes do único Deus, não pode ser o objeto da discordância de Pseudo-Dionísio aqui. Qual doutrina, então, Pseudo-Dionísio tinha em mente com essa declaração incomum?
A resposta, penso eu, pode ser encontrada novamente na triadologia de Damáscio, onde a conversão que iguala o gerador e o gerado é afirmada. O processo de geração é descrito como uma "divisão do que é antecipado no gerador", mas, ao dizer que "no ápice do inteligível, até mesmo o leve indício de pluralidade é absorvido na unidade",⁶⁷ segue-se que a geração dá vida a uma pluralidade externa (τὸ ἔξω πλῆθος), que se desenvolve a partir da pluralidade interna unificada nos geradores (ὡς εἰ πολλὰ εἶναι ἐν τῷ γεννῶντι):
"Isso, também, deve fazer parte de nossa doutrina, a partir do que foi dito, que em cada nível, a pluralidade externa que se torna diferenciada nas coisas geradas a partir dela (τὸ ἔξω πλῆθος διακρινόμενον ἐν τοῖς ἀπογεννωμένοις), cresce a partir do que está concentrado internamente nas coisas que geram [essa pluralidade externa]. Como resultado, o correlato (ἀντιστρέφοντα) também é verdadeiro, que, se muitos estão dentro do gerador (εἰ πολλὰ εἶναι ἐν τῷ γεννῶντι), eles certamente são transferidos para a próxima coisa gerada, e, se os muitos são diferenciados externamente no gerado, os muitos certamente são manifestados anteriormente, no gerador mais próximo."⁶⁸
O verbo ἀντιστρέφω, aqui usado por Damáscio, é o mesmo que Pseudo-Dionísio usa negativamente para excluir a convertibilidade do Pai no Filho, em relação à geração divina (οὐκ ἀντιστρέφει πρὸς ἄλληλα).⁶⁹
Além disso, Damáscio reafirma esse princípio no quarto capítulo de De principiis I (dedicado ao Um e à processão), dizendo que "coisas do mesmo nível são adequadas para a conversão à igualdade".⁷⁰ Consequentemente, em relação ao que "está além de todas as distinções", ele pode estabelecer que "coisas que são distintas na realidade não são absolutamente distintas".⁷¹
De acordo com esse conjunto de textos e problemas que encontram correspondências e cruzamentos entre Pseudo-Dionísio e a escola neoplatônica tardia, podemos supor que a composição de DN desempenhou um papel na apologética contra a especulação neoplatônica pagã, em particular a de Damáscio, que levantou, de maneira mais ou menos velada, uma forte refutação aos dogmas cristãos. Desde 515 d.C., de fato, Damáscio ocupava o cargo de diadochus da escola de Atenas e, com seus trabalhos posteriores, não apenas elevou o nível da instituição aos seus antigos esplendores, mas também conduziu a resposta pagã mais vigorosa à hegemonia cultural do cristianismo.
Podemos confirmar essa hipótese ao observar que a reelaboração dionisiana dos princípios neoplatônicos não é apenas implícita nos textos, mas também explicitamente contextualizada em polêmicas abertas. Podemos testemunhar essas polêmicas em pelo menos três passagens marcantes no Corpus Dionysiacum Areopagiticum (CDA).
Primeiro, em De Divinis Nominibus (DN) II.2, como vimos acima. Segundo, em DN V.9, onde Pseudo-Dionísio, ao se referir a παραδείγματα (paradeígmata), argumenta contra a possibilidade de um princípio de causalidade que não seja o próprio Uno, isto é, o único Deus. Ao contestar que qualquer causalidade e produtividade ontológica possam ser encontradas fora de Deus, Pseudo-Dionísio direciona sua crítica a um filósofo chamado "Clemente" (DN V.9, 824D). Sobre a identificação da pessoa real por trás desse nome, Eugenio Corsini conclui de forma definitiva: "O adversário visado aqui é Proclo e não pode ser outro senão Proclo".⁷²
O terceiro lugar de polêmicas anti-pagãs é a bem conhecida contenda com Apolofanes, na 7ª Epístola:
*Mas você diz que o sofista Apolofanes me difama, que ele me chama de parricida, que me acusa de fazer uso profano das coisas gregas para atacar os gregos (ὡς τοῖς Ἑλλήνων ἐπὶ τοὺς Ἕλληνας οὐχ ὁσίως χρωμένῳ). Seria mais correto responder a ele dizendo que são os gregos que fazem uso profano das coisas divinas para atacar Deus (ὡς Ἕλληνες τοῖς θείοις οὐχ ὁσίως ἐπὶ τὰ θεῖα χρῶνται). Eles tentam banir a reverência divina por meio da própria sabedoria (τῆς σοφίας τοῦ θεοῦ) que Deus lhes deu.*⁷³
Nesse caso, a polêmica é apresentada por Pseudo-Dionísio como uma resposta à crítica de Apolofanes sobre seu suposto "saque" de fontes filosóficas gregas. Não sabemos se essa troca é fictícia ou se ecoa uma disputa pessoal real; em qualquer caso, demonstra que Pseudo-Dionísio estava bem ciente de que sua especulação se opunha à tradição grega (isto é, neoplatônica pagã). Por meio do episódio de Apolofanes, ele busca destacar a lacuna paradigmática de seu pensamento em relação à filosofia pagã. Pseudo-Dionísio reconhece que Deus deu sabedoria aos gregos, mas rejeita o uso que eles fizeram dessa sabedoria. Isso justifica, para ele, sua exploração da filosofia grega sem compartilhar o paradigma pagão grego.
Por fim, podemos concluir que a reelaboração filosófica de Pseudo-Dionísio não tem a intenção de ajustar a tradição genuína da especulação neoplatônica ao quadro cristão, mas sim de argumentar pela correção do paradigma monoteísta com a ajuda de argumentos neoplatônicos, respondendo também à necessidade especulativa de simplificar ou modificar radicalmente o sistema de archai de Proclo. Além disso, contrasta com a negação radical de toda possibilidade de conhecimento do Primeiro Princípio, defendida por Damáscio. Para Pseudo-Dionísio, a simplificação e a conciliação entre o apofatismo e o conhecimento positivo de Deus encontram sua possibilidade no monoteísmo cristão, como ele claramente afirma em DN XIII.4, nos últimos parágrafos deste tratado.
O resultado da reflexão filosófica dionisiana converge com a monocausalidade da teologia cristã, que evita henades e ideias, afirmando a identificação do Uno apofático com o Uno criador — ou seja, o único Deus revelado nas Sagradas Escrituras. Em Pseudo-Dionísio, o peso da revelação, sustentado por referências contínuas às Escrituras e à tradição sagrada, equilibra o peso que a dialética possui em Proclo e Damáscio. Em De Divinis Nominibus (DN) XIII.4, não é outra coisa senão a revelação, definida como o dom de dizer e dizer bem (τὸν δωρούμενον πρῶτον αὐτὸ τὸ εἰπεῖν, ἔπειτα τὸ εὖ εἰπεῖν), que permite a Pseudo-Dionísio afirmar a possibilidade do conhecimento de Deus, por meio de sua autorrevelação. Seguindo o caminho da negação, ele chega à mesma conclusão aporética alcançada pela dialética damasciana, segundo a qual Deus não é nem mônada nem tríade. No entanto, Dionísio encerra seus tratados sobre os nomes divinos com uma forte invocação ao dom divino do conhecimento, que remonta ao princípio bíblico fundamental, o da revelação pessoal de Deus:
*Então, se o que eu disse está correto e se, de alguma forma, compreendi e expliquei corretamente algo sobre os nomes de Deus, a obra deve ser atribuída à causa de todas as coisas boas, por ter me dado as palavras para falar e o poder de usá-las bem (τὸν δωρούμενον πρῶτον αὐτὸ τὸ εἰπεῖν, ἔπειτα τὸ εὖ εἰπεῖν).*⁷⁴
Devido à rivalidade cultural contra a ascensão da hegemonia cristã, uma das direções tomadas pelo neoplatonismo após Jâmblico foi a tentativa de justificar o sistema religioso helênico por meio de argumentos filosóficos, concebidos para garantir uma base epistemológica sólida.⁷⁵ Isso determinou a multiplicação de princípios intermediários e, consequentemente, a necessidade de reconciliá-los com a primazia do Uno.⁷⁶ Por outro lado, o principal alvo da reflexão dionisiana não é o Uno, mas a eliminação dos intermediários, concebidos tanto como divindades quanto como princípios causais. Parece que esse tópico teórico é central para entender o confronto entre o monoteísmo e o politeísmo por trás das obras dos neoplatonistas tardios e de Pseudo-Dionísio. A força da henologia neoplatônica não pode evitar o fato de que a filosofia neoplatônica mantém uma justificativa duradoura do dualismo, que é o elemento característico da visão pagã do mundo, como codificação do antagonismo entre os princípios causais.
A possibilidade de que uma figura-chave da escola neoplatônica tardia de Atenas tenha colaborado na composição do CDA confirma a hipótese de que o uso massivo de Pseudo-Dionísio da terminologia e dos conceitos neoplatônicos — radicalmente transformados — fundamenta sua posição polêmica em relação a seus antigos colegas da escola de Atenas. Essa crítica não diz respeito apenas à fé religiosa, mas também a princípios filosóficos, como a causalidade e a possibilidade de conhecimento das realidades divinas.
O CDA está vinculado aos debates filosóficos sobre o Uno, o Bem e a causalidade na escola neoplatônica tardia, mas, apesar do papel causal atribuído aos intermediários metafísicos pelos neoplatonistas, segundo Pseudo-Dionísio o princípio de mediação não prevalece sobre o de imediaticidade, uma vez que sua relação e ação mútuas podem ser entendidas como sinergia entre as energias hierárquicas e as energias teárquicas. A sinergia é de acordo com a vontade, o que nos assegura que a epistrophé ao Uno, conforme concebida por Pseudo-Dionísio, é uma conversão voluntária, um conceito bastante distante da dialética neoplatônica entre o Uno e a multiplicidade, descrita por meio da metáfora da emanação e do retorno.⁷⁷ Pseudo-Dionísio nega a ideia de que a causalidade universal possa ser compartilhada entre diferentes archai: somente Deus é o princípio causal-criativo de tudo; seus nomes não são princípios ontológicos nem ideias, mas suas "potências providenciais".
Em DN, Dionísio argumenta contra estruturas triádicas filosóficas que implicam uma crítica ao dogma da Trindade cristã. Sugiro que a doutrina triádica de Damáscio é alvo dessa polêmica. O CDA pressupõe, de fato, não apenas o conhecimento de Proclo, mas também o de Damáscio, com quem Pseudo-Dionísio empreendeu um diálogo crítico. Além disso, muitas passagens do CDA contêm alusões a uma polêmica filosófica e religiosa mais ou menos aberta contra certos pensadores de sua época, em dois casos referidos com os nomes fictícios de "Clemente" e "Apolofanes". Argumentamos a possibilidade de identificar essas figuras, respectivamente, com Proclo e Damáscio. Se o segundo é apresentado — com acentos negativos — como um "sofista", em relação ao primeiro, que é chamado de "filósofo", Pseudo-Dionísio demonstra uma espécie de deferência, embora discorde fortemente dele sobre a concepção de causalidade.
Em conclusão, podemos notar que esse cenário revela implicitamente muito das relações entre os últimos membros da escola de Atenas. A dívida de Pseudo-Dionísio para com o neoplatonismo pode ser finalmente entendida como uma reelaboração dos ensinamentos de Proclo sobre intermediários e mediação, na direção de uma plena afirmação teórica do paradigma cristão sobre o neoplatonismo pagão. Em segundo lugar, ele pretendia opor-se ao apofatismo radical de Damáscio, particularmente no campo das teorias triádicas, que eram uma ferramenta da apologética do último diadochus contra os fundamentos da teologia cristã.
Notas
¹ Koch (1895a), 438–454; Stiglmayr (1895a); Stiglmayr (1895b).
² Edições críticas de Suchla (1990), Heil/Ritter (1991).
³ Corsini (1962).
⁴ Saffrey (1966, 1979b, 1998/2000).
⁵ Lilla (1997).
⁶ Luther (1888), 562.
⁷ Mazzucchi (2006).
⁸ Lankila (2011).
⁹ Fiori (2008).
¹⁰ Hathaway (1969).
¹¹ Caseau (2011).
¹² Stiglmayr (1909); Perzcel (2008), Fiori (2011).
¹³ Perczel (2001).
¹⁷ Brons (1975).
¹⁸ Nasta (1997).
¹⁹ Gersh (1984), p. 299.
²⁰ CH VII.2.240B, 33–34: tradução de Luibhéid/Rorem (1987), p. 167.
²¹ DN IV.6.700D, 149; tradução de Luibhéid/Rorem (1987), p. 75.
²² CH VII.4.212A, 31; tradução de Luibhéid/Rorem (1987), p. 165.
²³ CH III.3.168A, 19; tradução de Luibhéid/Rorem (1987), p. 55.
²⁴ EH V.2.501B, 105, Luibhéid/Rorem
transl. (1987), 233–234.
²⁵ DN XI.6.953C-D, 222; Luibhéid/Rorem transl. (1987), 124–125.
²⁶ Larchet (2010), 154.
²⁷ DN XIII.1.977B, 227; Luibhéid/Rorem transl. (1987), 128.
²⁸ EH V.7.508C-509A, 109–110; Luibhéid/Rorem transl. (1987), 238–239.
³⁶ DN I.4.589D, 112; Luibhéid/Rorem transl. (1987), 51.
⁴⁶ DN V.6.820C-D, 184; Tradução
de Luibhéid/Rorem (1987), p. 99.
⁴⁷ Veja DN I.4.589D, 112; DN I.5.593B, 116; DN I.1.588B, 109.
⁴⁸ DN VIII.5.892C, 202; Tradução de Luibhéid/Rorem (1987), p. 111:
"Esse poder garante que as ordens e direções do universo atinjam seu bem
apropriado e preserva na imortalidade as vidas intocadas das henades angélicas
(τῶν ἀγγελικῶν ἑνάδων ζωὰς)."
⁴⁹ Veja CH XI.2.284D-285A, 41–42.
⁵⁰ Plat. Theol. III.20.2–3: "Depois da única fonte dos princípios,
henades autossuficientes nos foram reveladas, os deuses."
⁵¹ DN XI.6.953C, 222; Tradução de Luibhéid/Rorem (1987), p. 124.
⁵² Veja Napoli (2008), 201–259.
⁵³ Veja Napoli (2008), 79–89.
⁵⁴ Damáscio, De principiis, ed. Ruelle (1889/1964), I.300,7–12.
⁵⁵ Damáscio, De principiis, ed. Ruelle (1889), I.300.
⁵⁶ Damáscio, De principiis, ed. Ruelle (1889), I.300.
⁵⁷ Damáscio, De principiis, ed. Ruelle (1889), I.300: "Οὐκοῦν ἓν μὲν ὁ
πατήρ, πολλὰ δὲ ἡ τοῦ ἑνὸς ἀόριστος δύναμις, πάντα δὲ ὁ νοῦς τοῦ πατρός".
⁵⁸ Damáscio, De principiis,
ed. Ruelle, I.301.
⁵⁹ Veja Napoli (2008), 421–469.
⁶⁰ Damáscio, De principiis, ed. Ruelle, I.302.
⁶¹ Veja DN II.4.641 A, 126–127.
⁶² Sobre as diferenças entre as concepções recíprocas de Proclo e
Pseudo-Dionísio em relação aos opostos no Uno, veja Steel (2003).
⁶³ Damáscio, De principiis
XVII, q. 117, ed. Ruelle (1889), I.300; Ahbel-Rappe, trad. (2010), 400.
⁶⁴ DN XIII.3.980D-981A, 229; Luibhéid/Rorem, trad. (1987), 129–130.
⁶⁵ DN II.2.637D, 124; Luibhéid/Rorem, trad. (1987), 60.
⁶⁶ DN II.5.641D, 128; Luibhéid/Rorem, trad. (1987), 62.
69 Ver acima, nota 70.
70 Damáscio, De principiis,
edição de Ruelle (1889), I.116:
"Ἡ μὲν δὴ τῶν ὁμοταγῶν ἐπίσης ἔχει πρὸς τὴν ἀντιστροφήν, ἡ δὲ τοῦ κρείττονος
καὶ χείρονος ἀντιστρέφει μέν, ἀλλὰ μετὰ τῆς ὑπεροχῆς καὶ τῆς ἐλλείψεως."
Tradução:
"A relação dos iguais mantém-se equivalente em relação à conversão,
enquanto a do superior e do inferior também se converte, mas com uma
superioridade e uma deficiência."
71 Damáscio, De principiis,
edição de Ruelle (1889), I.78; tradução de Ahbel-Rappe (2010), p. 152:
"τὸ δὲ ἐπέκεινα διορισμοῦ παντὸς οὐκ ἄν τις ἔχοι λέγειν οὐδαμῆ οὐδαμῶς
διωρισμένον."
Tradução:
"Quanto ao que está além de toda diferenciação, ninguém poderia dizer
que isso está sujeito a qualquer diferenciação, de forma alguma, em nenhum
momento."
Esses trechos apresentam as bases filosóficas de Damáscio, que examina a relação entre igualdade, superioridade e inferioridade, bem como a transcendência do que está "além de toda diferenciação". Essas reflexões servem de pano de fundo para o confronto entre o neoplatonismo de Damáscio e a teologia de Pseudo-Dionísio.
⁷² Corsini (1962), p. 163 (nossa
tradução).
⁷³ Ep. VII.2.1080 A-B, 166; tradução de Luibhéid/Rorem (1987), p. 267.
⁷⁴ DN XIII.4.981C-984 A,
230–231; tradução de Luibhéid/Rorem (1987), p. 124.
⁷⁵ Ver West (1999), pp. 21–40; 41–68.
⁷⁶ Ver Abbate (2008), p. 27; d'Hoine/Michalewski (2012), p. 179.
⁷⁷ Sobre a rejeição dessa metáfora pelos cristãos, ver Gersh (1978), pp. 205 e
seguintes.