O CARMELO DESCALÇO E O ESOTERISMO: PARTE 6 - AS FONTES MÍSTICAS E COSMOLÓGICAS DO “CASTELO INTERIOR” DE TERESA D’ÁVILA
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Autor: Profa. Dra. Ir. Aíla Luzia Pinheiro de Andrade, NJ
1. Introdução
Santa Teresa de Jesus, ou simplesmente Teresa D'Ávila (1515–1582), foi uma mística carmelita e escritora de destaque no Renascimento espanhol. Reconhecida como uma das mais eminentes contemplativas de sua época, Teresa enfrentou, por obediência à autoridade eclesiástica, a tarefa de registrar por escrito suas experiências extáticas. O objetivo era instruir as monjas sob sua tutela no caminho espiritual para alcançar a união mística.
Ela mesma reconheceu a dificuldade de tal empreendimento, considerando-o quase impossível, pois as operações íntimas da alma aderem à "linguagem de Deus", um código secreto e inefável. Sem saber como iniciar essa jornada literária, Teresa acreditou ter recebido inspiração divina para conceber a alma como um castelo de cristal ou diamante, repleto de aposentos. Assim como no céu existem muitas moradas, a alma também contém sete moradas ou globos concêntricos de cristal fino, representando as etapas progressivas do desenvolvimento espiritual (1M 1,1).
O progresso espiritual descrito por Teresa nas sete moradas resume as três etapas principais da vida interior e da oração:
Na quinta morada, conhecida como a morada da santidade, Teresa dedica grande parte de sua obra. Essas etapas profundas requerem orientação cuidadosa, pois a transformação interior torna-se mais intensa e sólida, e o coração é inundado pela luz divina.
Na sexta morada, Teresa aborda os desafios, tanto internos quanto externos, enfrentados no caminho da santificação. Obstáculos, adversidades e provas tornam-se mais numerosos, complexos e sutis, exigindo maior discernimento espiritual.
Por fim, a sétima morada, a mais interior, é o estado da união mística. Nesse estágio, a alma encontra Deus e se une plenamente a Ele, preenchida por Sua luz. Aqui, Teresa descreve a fusão da alma com a luz divina como inseparável, semelhante à água da chuva que se mistura a um rio, tornando-se indistinguível (7M 2,4). Essa união culmina no matrimônio místico, onde a alma, completamente purificada, alcança sua plena realização espiritual.
[...] é como se a água caindo do céu em um rio ou fonte, onde estiver toda a água, já não se pode separar nem distinguir qual é a água, a do rio ou a que caiu do céu. (7M 2,4)
Os limites da linguagem humana
Michael Gerli observa que muitas metáforas espirituais, especialmente as de caráter arquitetônico, tornaram-se populares na espiritualidade europeia devido ao seu valor mnemotécnico, que as tornava particularmente atrativas (GERLI, 1982, p. 154-163). Esse fenômeno também é evidente na metáfora utilizada por Teresa de Jesus, que pedia às suas filhas espirituais que a mantivessem constantemente na memória (1M 2,6; 7M 3,9).
Embora o esquema simbólico de Teresa pareça, à primeira vista, original, é praticamente impossível descrever uma experiência mística sem recorrer a símbolos oriundos do contexto cultural e religioso do místico. Como afirma Barbara Kurtz, a linguagem mística não consegue transcrever uma experiência sem interpretá-la ou mediatizá-la, já que a linguagem humana é limitada e incapaz de abordar diretamente a transcendência (KURTZ, 1992, p. 32).
Nesse contexto, Teresa confessa a dificuldade de expressar a vivência mística que experimentou, o que a levou a utilizar metáforas. O castelo interior, conforme descrito por Teresa, é simultaneamente uma figura de grande beleza plástica e um recurso fácil de memorizar, o que demonstra seu vínculo com o contexto cultural da autora. Apesar disso, por ser uma metáfora pouco usual, torna-se desafiador rastrear suas possíveis origens simbólicas.
O ambiente cultural no qual o místico está inserido molda a forma simbólica de sua experiência transcendente, que, em essência, é supralinguística. O êxtase, por definição, é inefável; por isso, o místico recorre a metáforas comuns em seu meio cultural para tentar descrever o que vivenciou, mesmo que seja algo que ultrapassa as fronteiras da razão e da linguagem.
Dessa forma, surge uma questão central: de onde Teresa extraiu o simbolismo que utilizou para descrever sua experiência mística? Seus castelos concêntricos, de aspecto peculiar, não encontram paralelo na tradição cristã ocidental. Ainda que muitos textos espirituais apresentem o progresso místico da alma de forma estruturada em sete moradas (ou castelos) cada vez mais interiores, a metáfora de Teresa se destaca por sua singularidade.
A busca das fontes teresianas
A busca mística da união com Deus tem sido tradicionalmente simbolizada como uma viagem, um trajeto percorrido pela alma. Esse simbolismo integra um conjunto de representações religiosas compartilhadas por cristãos, judeus e muçulmanos ao longo da história. Muitas tradições relatam um itinerário e um desejo intenso da alma por Deus, enfatizando aspectos como entrega, purificação, renúncia e abandono, que culminam na união mística.
Gaston Etchegoyen sugere que Bernardino de Laredo e Francisco de Osuna, ambos autores estimados por Teresa de Jesus, podem ser as principais fontes de inspiração para o Castelo Interior (ETCHEGOYEN, 1923, p. 15). No entanto, o próprio Etchegoyen reconhece que os esquemas propostos por esses autores não explicam os detalhes específicos do símbolo utilizado por Teresa.
Francisco de Osuna, por exemplo, limita-se a alegorias medievais convencionais, nas quais os inimigos tradicionais da alma (a carne, o mundo e o demônio) tentam invadir o castelo interior. Já Bernardino de Laredo apresenta uma visão mais distante do esquema teresiano, descrevendo uma civitas sancta assentada em um campo quadrado, com fundamentos de cristal, muros de pedras preciosas e um círio pascal ao centro simbolizando Cristo.
Outros estudiosos apontam os romances de cavalaria do Renascimento espanhol como possíveis influências para Teresa. A própria santa admitiu ter lido esses romances com grande entusiasmo na juventude. No entanto, ao examinar esses textos, percebe-se que eles não oferecem a chave para compreender o símbolo dos castelos descrito por Teresa. Em nenhum romance da época, os castelos são representados como sete estruturas concêntricas nem celebram a união teopática em seu recinto mais interior.
Além disso, mesmo na arquitetura dos castelos espanhóis, ainda hoje visitáveis, não se encontra a configuração de sete moradas cada vez mais interiores, como descrito por Teresa de Jesus (PEERS, 1951, p. 17).
Esse panorama reforça a singularidade do simbolismo teresiano, cuja origem parece não se limitar a influências literárias ou arquitetônicas conhecidas, mas sim à profunda experiência espiritual vivida pela mística de Ávila.
4. Recurso à mística judaica
A fase primitiva da mística judaica, que antecede a consolidação da Cabala medieval, abrange o período entre o século I a.C. e o século X. Essa tradição é amplamente conhecida como Merkavah ou a mística da Carruagem ou do Trono de Deus. A literatura da Merkavah fundamenta-se em especulações sobre as visões proféticas do Antigo Testamento, particularmente na visão do trono-carruagem de Deus descrita em Ezequiel 1.
O termo hebraico merkabah refere-se ao trono-carruagem de Deus, sustentado em um firmamento de cristal e rodeado por raios, querubins e quatro seres vivos. O principal corpus da literatura Merkavah foi composto entre 200 e 700 d.C. Nos primeiros relatos, o místico ou visionário era arrebatado às esferas celestes, onde contemplava Deus como um rei sentado em Seu trono.
A primeira descrição completa da Merkavah aparece nos escritos visionários conhecidos como os livros de Hechalot. Esses textos retratam os Hechalot (salas ou palácios celestiais) e detalham o desejo do místico de alcançar a sala do trono durante sua ascensão aos céus, onde poderia contemplar o esplendor da majestade divina. A literatura Hechalot explora minuciosamente as características desses céus e, em alguns casos, estabelece conexões com tradições apocalípticas encontradas nos círculos de Enoque (SCHOLEM, 1965, p. 9-13).
Para alguns estudiosos, a literatura Hechalot é um gênero de textos esotéricos e apocalípticos judaicos que perduraram até o início da Idade Média. A cosmologia religiosa apresentada nesses textos — que inclui os sete Hechalot ou sete céus — também se encontra em outras grandes religiões, como o hinduísmo e o islamismo, além de sistemas menores, como o hermetismo e o gnosticismo. Segundo essa cosmologia, o trono de Deus situa-se acima do sétimo céu.
O número sete, frequentemente associado à perfeição, desempenha papel significativo na mística judaica. Esse simbolismo é evidente em obras como os Sete Hechalot ou Sete Palácios, que descrevem o arrebatamento do vidente até o Trono de Deus. Um exemplo notável é o Sefer Hechalot (ou Terceiro Livro de Enoque), uma obra muito valorizada pela Cabala judaica.
O Sefer Hechalot, possivelmente escrito no século II d.C., mas com origens traçadas ao século V, apresenta-se como um texto esotérico atribuído ao Rabi Ismael. Este, segundo o relato, teria se tornado um "sumo sacerdote" após visões arrebatadoras que o levaram aos céus. Os principais temas do Sefer Hechalot incluem a ascensão de Enoque aos céus e sua transformação no anjo Metatron (DAN, 1993, p. 7-24).
No final do século XIII, Moisés de León compilou uma obra atribuída ao rabino Simeon ben Yohai, que teria vivido na Palestina durante o século II. Nesse texto, relata-se uma experiência visionária do rabino, na qual sua alma se liberta momentaneamente do corpo e vivencia uma revelação extraordinária. Durante essa experiência, ele contempla os sete palácios do paraíso e, em contrapartida, os sete palácios do inferno. Esse relato reflete um sistema de símbolos essenciais extraídos dos ensinamentos dos Hechalot, mas também incorpora novas ideias baseadas nas especulações sobre a merkavah ou carruagem do Senhor.
A obra compilada por Moisés de León foi intitulada Zohar, ou Livro do Esplendor. Este grande comentário místico judaico tornou-se um compêndio da Cabala. No Zohar, os sete palácios são habitados por anjos que irradiam luz. Diferentemente do objetivo dos primeiros místicos da merkavah, que buscavam contemplar a sala do trono de Deus, o Zohar apresenta o desejo do místico como sendo a comunhão com Deus, ou seja, a fusão entre as vontades divina e humana. Esse estado de união mística é realizado no êxtase e simbolizado pelo "beijo do Amor".
De acordo com o Zohar, o beijo que une a alma a Deus ocorre no sétimo palácio e é de tal intensidade que pode extrair a alma do corpo, levando-a a Deus e provocando, em alguns casos, a morte física.
Santa Teresa de Jesus também menciona, de forma semelhante ao Zohar, o beijo divino com o qual o Rei celestial consuma o matrimônio espiritual na sétima morada de seu Castelo Interior. Ela descreve experiências extáticas intensas, nas quais a alma parece ser arrebatada do corpo e elevada a uma comunhão plena com Deus. Teresa caracteriza essas vivências como tão poderosas que poderiam levar o místico à morte (7M 2,5; 3,6).
5. Influências da cosmologia aristotélica
Além das fontes judaicas, é possível identificar outras influências no simbolismo de Teresa de Jesus. As versões latinas das obras de Aristóteles eram amplamente difundidas no contexto em que Teresa viveu. No livro De Caelo, Aristóteles concebe o universo como esferas concêntricas que giram em movimento circular. Esse esquema cósmico transformou-se em um símbolo que servia de pano de fundo para representar o caminho espiritual do ser humano (LÓPEZ-BARALT, 2010, p. 180).
É plausível sugerir que, ao descrever a alma em forma de sete círculos ou castelos concêntricos, Santa Teresa faça uma alusão indireta às sete esferas planetárias da cosmovisão medieval, derivadas do pensamento aristotélico e da literatura Hechalot. A Carmelita parece visualizar a alma como um reflexo microcósmico do macrocosmo celestial. Nesse sentido, as moradas espirituais não seriam apenas comparadas a castelos, mas também às esferas celestes.
Assim, Teresa propõe uma analogia em que o ser humano carrega, em sua própria interioridade, todas as esferas do céu, unindo o microcosmo humano ao macrocosmo divino. Essa visão reforça a dimensão cósmica de seu simbolismo espiritual, conectando o percurso místico individual às estruturas universais.
6. Conclusão
Conclui-se que Santa Teresa de Jesus não criou a bela imagem dos castelos interiores de forma original. Apesar de parecer surpreendente à sensibilidade do cristão ocidental, Teresa aprimorou essa imagem com detalhes geniais, cristianizando-a e adaptando-a aos seus propósitos espirituais. Assim como muitos filósofos, poetas e humanistas do Renascimento, os místicos cristãos foram profundamente influenciados pela literatura cabalística do século XIII. Na mística judaica, reconheceram um caminho seguro para compreender melhor suas próprias experiências, que estavam enraizadas em tradições espirituais mais antigas.
No entanto, Swietlicki alerta para não presumir que a influência da Cabala judaica sobre os místicos cristãos se deu diretamente por meio de textos literários. É mais plausível que os traços da Cabala tenham persistido em círculos populares, mesmo após a expulsão dos judeus da Espanha em 1492 (SWIETLICKI, 1986, p. 28). Dessa maneira, a mística cristã tornou-se um importante veículo para a transmissão de ideias cabalísticas, mesmo no século XVI.
Apesar das diferenças culturais e temporais, é inegável a influência da Cabala sobre figuras importantes como Santa Teresa de Jesus. Essa influência revela como as tradições místicas transcendem barreiras religiosas, encontrando pontos de convergência nas buscas espirituais universais.
Referências Bibliográficas
- BENSION, Ariel. O Zohar: o livro do esplendor. São Paulo: Polar Editorial, 2006.
- DAN, Joseph. The Ancient Jewish Mysticism. Tel Aviv: Mod Books, 1993.
- ETCHEGOYEN, Gaston. L'amour divin: Essai sur les sources de Sainte-Thérèse. Bordeaux: Feret, 1923.
- GERLI, Michael. "El castillo interior y el arte de la memoria." Bulletin Hispanique, 86/1-2 (1982), 154-163.
- KURTZ, Barbara. "The Small Castle of the Soul: Mysticism and Metaphor in the European Middle Ages." Studia Mystica, XV (1992), 28-35.
- LÓPEZ-BARALT, Luce. "Teresa of Jesus and Islam: The Simile of the Seven Concentric Castles of the Soul." In: Hilaire KALLENDORF (ed.), A New Companion to Hispanic Mysticism. Danvers: BRILL, 2010, p. 175-199.
- PEERS, Edgar Allison. Study of the Spanish Mystics. London: S.P.C.K, 1951.
- SCHOLEM, Gershom. Jewish Gnosticism, Merkabah Mysticism, and the Talmudic Tradition. New York: Jewish Theological Seminary of America, 1965.
- SWIETLICKI, Catherine. Spanish Christian Cabala: The Works of Luis de León, Santa Teresa de Jesús, and San Juan de la Cruz. Columbia, Missouri: University of Missouri Press, 1986.
- TERESA DE JESÚS, Santa. Moradas del Castillo Interior, in Obras Completas. Madrid: Editorial Católica, 1951.