Carta Ex Quo No Non - São Pio X: contra os "católiquinhos mulherzinhas"...
Tradução: Gabriel Sapucaia
São
Pio X
Carta Ex Quo No Non
(26 de dezembro de 1910)
Pela qual se censura um escrito sobre a questão do retorno das Igrejas à unidade católica.
Desde o dia em que, no final do século IX, as nações do Oriente começaram a ser arrancadas da unidade da Igreja Católica, é difícil expressar a quantidade de esforços que foram feitos por pessoas santas com o objetivo de trazer de volta ao seio desta Igreja os irmãos dissidentes. Mais que todos, os Soberanos Pontífices, Nossos Predecessores, em virtude do encargo que tinham de defender a fé e a unidade eclesiástica, não pouparam nenhuma tentativa para pôr fim, seja por meio de exortações paternas, seja por delegações oficiais, seja por Concílios solenes, ao funesto cisma que causou grande tristeza ao Ocidente e trouxe grave dano ao Oriente. Testemunham essa solicitude, para citar apenas alguns, Gregório IX, Inocêncio IV, Clemente IV, Gregório X, Eugênio IV, Gregório XIII e Bento XIV (a Constituição Nuper ad nos de 16 de março de 1743 prescreve uma profissão de fé especial para os Orientais). Mas ninguém ignora com que generosa presteza, nos últimos tempos, Nosso Predecessor, de feliz memória, Leão XIII, convidou as nações do Oriente a se unirem novamente à Igreja Romana. "Quanto a Nós," disse ele (Alocução Si fuit in re, 13 de dezembro de 1880, aos cardeais, Acta t. II, p. 179, ver também as Cartas Apostólicas Praeclara gratulationis, de 20 de junho de 1894, Acta t. XIV, p. 195), "é certo que a própria lembrança da antiquíssima glória do Oriente e a reputação dos serviços que ele prestou à humanidade Nos são encantadoras. Pois é aí que está o berço da salvação do gênero humano; é aí que se encontram as origens da sabedoria cristã; é daí que, como um rio abundante, se derramou sobre o Ocidente o fluxo de todos os benefícios que recebemos com o santo Evangelho... Entregando Nosso espírito a essas considerações, não desejamos nem aspiramos a outra coisa senão a dar Nossos cuidados para que em todo o Oriente reviva a virtude e a grandeza dos antepassados. E isso tanto mais porque o curso dos eventos humanos lá deixa aparecer de tempos em tempos indícios de natureza a fazer esperar que os povos do Oriente, separados por tanto tempo do seio da Igreja Romana, se reconciliarão um dia, se Deus assim o permitir, com ela."
Certamente, não é menor, como bem sabeis, Veneráveis Irmãos, o Nosso desejo que nos leva a esperar ver brilhar em breve o dia, objeto dos votos ansiosos de tantos santos personagens, em que cairá definitivamente o muro que, há tanto tempo, separa os dois povos, em que, unidos num único abraço de fé e de caridade, verão finalmente florescer a tão implorada paz, e em que não haverá mais que um só rebanho e um só pastor (Jo 10, 16).
Estávamos imbuídos desses sentimentos quando, há pouco tempo, numa revista de recente fundação, Roma e l'Oriente, apareceu um artigo que Nos causou grande tristeza. Ele tinha como título: "Reflexões sobre a questão da união das Igrejas". Esse escrito está repleto de tantos e tão graves erros teológicos, e até mesmo históricos, que seria difícil acumular mais em menos páginas.
Admite-se nele, com tanta temeridade quanto falsidade, a opinião de que o dogma da procissão do Espírito Santo Filioque não decorre de modo algum das próprias palavras do Evangelho e não é confirmado pela fé dos antigos Padres; da mesma forma, com grande imprudência, coloca-se em dúvida a questão de saber se os dogmas sagrados do Purgatório e da Imaculada Conceição foram reconhecidos pelos santos dos séculos anteriores. Ao tratar da constituição da Igreja, renova-se primeiramente um erro condenado há muito tempo por Nosso Predecessor Inocêncio X (Decreto da Congregação Geral do Santo Ofício, 24 de janeiro de 1647), a saber, que São Paulo teria sido considerado um irmão absolutamente igual a São Pedro; depois, não menos falsamente, convida-se a acreditar que a Igreja primitiva não conhecia a primazia de um único chefe, a monarquia; que a supremacia da Igreja Romana não se baseia em argumentos válidos. Não se deixa sequer intacta a doutrina católica sobre a Eucaristia, quando se ensina categoricamente que se pode adotar a opinião de que, entre os gregos, as palavras consagratórias só têm efeito após a oração chamada epiclese, quando se sabe muito bem que a Igreja não tem o direito de inovar em nada no que diz respeito à substância dos sacramentos, e que não é menos repugnante declarar válida a Confirmação administrada por qualquer sacerdote (cf. Bento XIV, Constituição Etsi pastoralis, para os ítalo-gregos, 26 de maio de 1742, onde declara inválida a Confirmação conferida por um simples sacerdote latino em virtude da simples delegação do bispo).
Por esse simples resumo dos erros com que esse escrito está repleto, compreendereis facilmente, Veneráveis Irmãos, que ele causou um grande escândalo a todos aqueles que o leram, e que Nós mesmos ficamos extremamente surpresos ao ver a doutrina católica tão claramente e tão imprudentemente desfigurada, ao mesmo tempo em que vários pontos relativos à história do cisma oriental foram tão audaciosamente distorcidos.
É um erro acusar os santíssimos pontífices Nicolau I e Leão IX de terem, em grande parte, provocado a dissensão, o primeiro por seu orgulho e ambição, o segundo pela violência de suas recriminações, como se fosse preciso atribuir ao orgulho o vigor apostólico do primeiro na defesa de direitos sacrossantos, e chamar de crueldade o zelo do segundo em reprimir o mal. É também uma violação dos direitos da história tratar como pilhagem essas santas expedições chamadas Cruzadas, ou ainda, o que é mais grave, imputar ao desejo de dominação, em vez da preocupação apostólica de nutrir o rebanho de Cristo, o zelo e os esforços dos Pontífices Romanos pela reunião das Igrejas.
Tampouco ficamos levemente estupefatos ao ler nesse mesmo escrito a afirmação de que os gregos em Florença foram forçados pelos latinos a subscreverem a unidade, ou que foram levados por argumentos falsos a aceitar o dogma da procissão do Espírito Santo. Vai-se até, nesse desprezo pelas leis da história, a ponto de emitir dúvidas sobre o caráter ecumênico dos Concílios gerais que foram realizados desde o cisma grego, ou seja, do VIII Concílio Ecumênico até o do Vaticano. Tudo isso para concluir com um projeto de unidade híbrido, segundo o qual só seria reconhecido como legítimo pelas duas Igrejas aquilo que era seu patrimônio comum antes do cisma. Para o restante, ele seria mantido em profundo silêncio, como adições talvez ilegítimas, em todo caso supérfluas.