APOSTOLIQUE CURAE - LEÃO XIII
Tradução: Gabriel Sapucaia
SS LEÃO XIII APOSTOLICAE CURAE
18 de setembro de 1896
Carta Apostólica do Papa Leão XIII
Sobre as Ordenações Anglicanas
LEÃO, BISPO
Servo dos Servos de Deus
PARA PERPÉTUA MEMÓRIA
A solicitude e o afeto apostólico com os quais Nos esforçamos, sob a inspiração da graça, para imitar e reviver, conforme Nosso encargo, o Pastor Supremo do rebanho, Nosso Senhor Jesus Cristo1, voltam-se em grande parte para a nobilíssima nação inglesa.
Esta benevolência em relação a ela, Nós a demonstramos especialmente em uma carta especial dirigida, no ano passado, aos ingleses que buscam o reino de Cristo na unidade da fé. Lembramos a antiga união deste povo com a Igreja sua Mãe e Nos esforçamos por apressar seu feliz retorno, despertando nas almas o zelo pela oração. Recentemente, ainda, quando, em uma carta dirigida a todo o universo, quisemos tratar de forma mais completa da unidade da Igreja, um dos Nossos primeiros pensamentos foi para a Inglaterra, na doce confiança de que Nossas cartas poderiam ao mesmo tempo fortalecer os católicos e trazer uma luz salutar aos dissidentes. Há algo que Nos apraz reconhecer, e isso honra o bom senso dessa nação e mostra a preocupação de muitos de seus membros com a sua salvação eterna: é a acolhida benevolente que os ingleses deram às Nossas instâncias e à liberdade de Nossa palavra, que não era inspirada por nenhum motivo humano.
Hoje, com o mesmo objetivo e com as mesmas disposições, queremos estudar uma questão não menos importante, conexa à primeira e que Nos é igualmente cara. De fato, pouco tempo depois de se retirarem do centro da unidade cristã, os ingleses introduziram publicamente, sob o reinado de Eduardo VI, na colação das Ordens sagradas, um rito absolutamente novo; perderam, assim, o verdadeiro sacramento da Ordem tal como Cristo o instituiu e, ao mesmo tempo, a sucessão hierárquica: essa já era a opinião comum, confirmada mais de uma vez pelos atos e pela constante disciplina da Igreja. No entanto, em tempos mais recentes e, sobretudo, nos últimos anos, viu-se reanimar a controvérsia sobre as ordenações conferidas no rito do rei Eduardo. Possuem elas a natureza e o efeito do sacramento? Não apenas vários escritores ingleses, mas também alguns católicos, na maioria não ingleses, expressaram sobre esse assunto uma opinião favorável, seja de forma categórica, seja em forma de dúvida.
Os primeiros, preocupados com a dignidade do sacerdócio cristão, desejavam que seus sacerdotes gozassem do duplo poder sacerdotal sobre o corpo de Cristo; os segundos pensavam facilitar por meio disso seu retorno à unidade: todos estavam persuadidos de que, em consequência dos progressos realizados nesses últimos tempos nesse tipo de estudos e da descoberta de novos documentos até então esquecidos, Nossa autoridade poderia oportunamente submeter novamente essa causa ao exame. Quanto a Nós, não negligenciando esses desígnios e esses votos, prestando especialmente ouvidos à voz de Nossa caridade apostólica, decidimos tentar tudo o que pudesse, de alguma maneira, afastar qualquer prejuízo das almas ou promover o seu bem.
Foi, portanto, com benevolência que consentimos em um novo exame da questão, a fim de afastar no futuro, pela autoridade indiscutível deste novo debate, qualquer pretexto para a menor dúvida. Alguns homens, de ciência e erudição eminentes, cujas divergências de ideias nessa matéria eram conhecidas, redigiram por ordem Nossa os motivos de sua opinião; tendo-os depois convocado junto a Nós, ordenamos-lhes que comunicassem seus escritos entre si, bem como que pesquisassem e avaliassem com cuidado todos os outros elementos informativos úteis à questão. Providenciamos para que pudessem, com total liberdade, revisar, nos arquivos vaticanos, as peças necessárias já conhecidas e atualizar os documentos ainda ignorados. Também quisemos que tivessem à disposição todos os atos desse gênero conservados no Conselho Sagrado chamado Suprema, e igualmente tudo o que os homens mais competentes publicaram até agora em ambos os sentidos.
Depois de proporcionar essas facilidades, quisemos que se reunissem em uma Comissão especial; doze sessões ocorreram sob a presidência de um cardeal da Santa Igreja Romana designado por Nós, com a faculdade de cada um sustentar livremente sua opinião. Finalmente, ordenamos que as decisões dessas reuniões, juntamente com os outros documentos, fossem submetidas aos Nossos Veneráveis Irmãos os Cardeais, e que estes, após um sério exame, discutissem a questão em Nossa presença e Nos dissessem cada um a sua opinião.
Uma vez instituído esse procedimento, era justo não abordar o estudo aprofundado desta questão antes de ter cuidadosamente estabelecido o estado anterior da questão em decorrência das decisões da Sé Apostólica e das tradições adotadas, tradições cuja origem e valor era essencial apreciar. Por isso, Nossa atenção se voltou em primeiro lugar para os documentos pelos quais Nossos predecessores, a pedido da rainha Maria, dedicaram seus cuidados à reconciliação da Igreja da Inglaterra. Júlio III enviou para esse fim o cardeal inglês Reginald Pole, homem notável e digno de todo elogio, na qualidade de legado a latere, "como seu anjo de paz e dileção" e lhe conferiu poderes extraordinários e instruções2 que, posteriormente, Paulo IV renovou e confirmou.
Para compreender bem o valor intrínseco dos documentos mencionados acima, é necessário basear-se no fato de que o assunto que eles tratam, longe de ser estranho à questão, lhe diz respeito particularmente e é inseparável dela. De fato, visto que os poderes concedidos ao legado apostólico pelos Soberanos Pontífices referiam-se exclusivamente à Inglaterra e ao estado da religião nesse país, da mesma forma, as instruções dadas pelos mesmos Pontífices a esse mesmo legado, que as solicitava, não poderiam de modo algum referir-se às condições essenciais exigidas para a validade de toda ordenação, mas deveriam tratar especialmente das disposições a serem tomadas em vista das ordenações nesse reino, de acordo com as exigências dos tempos e das circunstâncias.
Além da evidência que emana da natureza e da forma desses documentos, é também claro que seria absolutamente estranho querer ensinar o que é indispensável para a confecção do sacramento da Ordem a um legado e a um homem cuja ciência brilhou até no Concílio de Trento.
Levando em consideração essa observação, compreender-se-á facilmente por que Júlio III, em sua carta de 8 de março de 1554 ao legado apostólico, distingue formalmente aqueles que, promovidos regularmente e segundo o rito, deveriam ser mantidos em suas Ordens e aqueles que, não promovidos às Ordens sagradas, poderiam ser promovidos a elas se fossem dignos e aptos. Vê-se claramente e expressamente indicadas, como existiam na realidade, duas categorias: de um lado, aqueles que realmente haviam recebido as Ordens sagradas, seja antes do cisma de Henrique, seja posteriormente por ministros ligados ao erro ou ao cisma, mas segundo o rito católico costumeiro; do outro, aqueles que, ordenados segundo o rito de Eduardo, poderiam, em consequência, ser promovidos, uma vez que haviam recebido uma ordenação inválida.
Que essa fosse realmente a opinião do Pontífice é claramente provado pela carta do mesmo legado, datada de 29 de janeiro de 1555, transmitindo seus poderes ao bispo de Norwich.
Além disso, deve-se sobretudo considerar o que a própria carta de Júlio III diz sobre os poderes pontifícios que devem ser exercidos livremente, mesmo em favor daqueles cuja ordenação foi menos regular e desprovida da forma ordinária da Igreja: essas palavras evidentemente designavam aqueles que haviam sido ordenados segundo o rito de Eduardo, pois este era, junto com o rito católico, o único então empregado na Inglaterra.
Essa verdade se tornará ainda mais manifesta se lembrarmos a embaixada enviada a Roma em fevereiro de 1555 pelo rei Filipe e pela rainha Maria, sob o conselho do cardeal Pole. Os três delegados reais, homens eminentes e muito virtuosos, entre os quais Thomas Thixlby, bispo de Ely, tinham a missão de informar detalhadamente o Sumo Pontífice sobre a situação religiosa na Inglaterra; deveriam, em primeiro lugar, pedir-lhe a ratificação e a confirmação do que o legado havia feito para a reconciliação desse reino com a Igreja. Para isso, levaram ao Sumo Pontífice todos os documentos escritos necessários e os trechos do novo Ordinal que tratavam principalmente dessa questão. Paulo IV recebeu a delegação com magnificência; os testemunhos invocados foram cuidadosamente discutidos por alguns cardeais e submetidos a uma madura deliberação: em 20 de junho do mesmo ano, Paulo IV publicou sob o selo pontifício a carta Praeclara carissimi. Nesta carta, após uma plena aprovação e ratificação dos atos de Pole, lê-se as seguintes prescrições sobre as ordenações: "Aqueles que não foram promovidos às Ordens sagradas (...) por um bispo ordenado regularmente e segundo o rito, são obrigados a receber novamente as mesmas Ordens."1 Quem eram esses bispos não ordenados regularmente e segundo o rito, já haviam indicado suficientemente os documentos acima e os poderes exercidos pelo Legado nessa matéria: eram aqueles que haviam sido promovidos ao episcopado, como ocorreu com outros na recepção das Ordens, sem observar a forma habitual da Igreja, ou a forma e a intenção da Igreja, como o próprio legado escreveu ao bispo de Norwich. Ora, esses não podiam ser seguramente outros senão os bispos consagrados segundo a nova forma ritual que os cardeais designados haviam examinado atentamente.
Também não se deve omitir um trecho da mesma carta pontifical que se relaciona perfeitamente com este assunto: o Papa menciona entre aqueles que precisam de dispensa os que obtiveram de forma nula, embora de fato, tanto as Ordens quanto os benefícios eclesiásticos. Receber as Ordens de forma nula significa recebê-las por um ato vão e sem efeito, ou seja, invalidamente, como nos advertem tanto a etimologia da palavra quanto seu uso na linguagem comum, especialmente considerando que a mesma afirmação se aplica tanto às Ordens quanto aos benefícios eclesiásticos que, de acordo com as disposições formais dos Santos Cânones, eram manifestamente nulos, tendo sido conferidos com um vício de forma que os anulava.
Adicione-se a isso que, em resposta às hesitações de muitos ao se perguntarem quais bispos poderiam ser considerados como ordenados regularmente e segundo o rito na intenção do Pontífice, este, pouco depois, em 30 de outubro, publicou uma segunda Carta em forma de Breve, onde dizia: "Para pôr fim a essas hesitações e tranquilizar a consciência daqueles que foram promovidos às Ordens durante o cisma, ao expor mais claramente o pensamento e a intenção de Nossa primeira Carta, declaramos que somente os bispos e arcebispos não ordenados e consagrados segundo a forma da Igreja não podem ser considerados como ordenados regularmente e segundo o rito."2 Se essa declaração não tivesse que se aplicar propriamente à situação da Inglaterra naquela época, ou seja, ao Ordinal de Eduardo, o Sumo Pontífice não teria que publicar uma nova carta para pôr fim às hesitações e tranquilizar as consciências. O legado, aliás, não compreendeu de outra forma as cartas e instruções da Sé Apostólica e a elas se submeteu com religiosa pontualidade: tal foi também a conduta da rainha Maria e daqueles que, com ela, trabalharam para restaurar a religião e as instituições católicas em seu primeiro esplendor.
A autoridade de Júlio III e de Paulo IV, que invocamos, destaca claramente a origem dessa disciplina observada sem interrupção há mais de três séculos, que considera inválidas e nulas as ordenações celebradas no rito de Eduardo; essa disciplina encontra-se explicitamente corroborada pelo fato de que numerosas ordenações foram, em Roma mesmo, renovadas absolutamente e segundo o rito católico. A observação dessa disciplina é um argumento a favor de Nossa tese. Se ainda houver dúvida sobre o sentido a ser dado a esses documentos pontifícios, pode-se aplicar o adágio: o costume é o melhor intérprete das leis.
Tendo a Igreja sempre admitido como um princípio constante e inviolável que é absolutamente proibido reiterar o sacramento da Ordem, era impossível que a Sé Apostólica sofresse e tolerasse em silêncio um costume desse tipo. Ora, não contente em tolerá-lo, ela até o aprovou e sancionou todas as vezes que foi necessário julgar sobre esse ponto algum caso particular. Citaremos apenas dois fatos desse tipo entre muitos outros submetidos posteriormente à Suprema: um, de 1684, diz respeito a um calvinista francês; o outro, de 1704, é o de Jean-Clément Gordon; ambos haviam recebido as Ordens segundo o rito de Eduardo. No primeiro caso, após uma minuciosa investigação, a maioria dos consultores colocou por escrito seus votos (é assim que se chamam suas respostas); os outros, unindo-se a eles, pronunciaram-se pela invalidade da ordenação; no entanto, tendo em vista certos motivos de oportunidade, os cardeais acreditaram dever responder: adiado. No segundo caso, os mesmos fatos foram novamente examinados; novos votos foram solicitados aos consultores, eminentes doutores da Sorbonne e de Douai foram consultados; nenhum meio foi negligenciado para conhecer o caso a fundo, como sugeria uma prudência clarividente.
Uma observação se impõe: o próprio Gordon, é verdade, então em questão, e alguns consultores, invocaram entre outros motivos de nulidade a ordenação de Parker com o caráter que lhe atribuíam na época; mas, quando chegou o momento de pronunciar a sentença, essa razão foi completamente rejeitada, como provam documentos dignos de toda confiança, e reteve-se apenas como motivo um defeito de forma e de intenção. Para emitir um julgamento mais completo e seguro sobre essa forma, teve-se o cuidado de ter em mãos um exemplar do Ordinal anglicano, que foi comparado com as formas de ordenação usadas nos diversos ritos orientais e ocidentais. Então, Clemente XI, após o parecer conforme dos cardeais aos quais o caso competia, emitiu ele próprio, na quinta-feira, 17 de abril de 1704, o seguinte decreto: "Que Jean-Clément Gordon receba ex integro e absolutamente todas as Ordens, mesmo as Ordens sagradas e sobretudo o sacerdócio, e se ele não foi confirmado, que receba primeiro o sacramento da Confirmação."3 Esta decisão, note-se bem, não levou em conta a falta de tradição dos instrumentos, caso em que o uso prescrevia renovar a ordenação sob condição. É ainda mais importante observar que essa mesma sentença do Papa refere-se de maneira geral às ordenações anglicanas.
Embora se referisse, de fato, a um caso especial, ela não se baseava, contudo, em um motivo particular, mas em um defeito de forma que afeta todas essas ordenações, tanto que, posteriormente, todas as vezes que foi necessário decidir sobre um caso análogo, respondeu-se por meio desse mesmo decreto de Clemente XI.
Diante disso, fica claro para todos que a questão levantada novamente em nossos dias já havia sido resolvida há muito tempo por um julgamento da Sé Apostólica; o conhecimento insuficiente desses documentos talvez explique como alguns escritores católicos não hesitaram em discutir livremente sobre esse ponto. Mas, como dissemos no início, há muito tempo não temos nada mais a peito do que cercar o máximo possível de indulgência e afeto os homens animados de intenções retas. Por isso, prescrevemos examinar ainda com muita atenção o Ordinal anglicano, ponto de partida de todo o debate.
No rito que diz respeito à confecção e administração de todo sacramento, distingue-se com razão entre a parte cerimonial e a parte essencial, chamada matéria e forma. Todos sabem que os sacramentos da nova lei, sinais sensíveis e eficazes de uma graça invisível, devem significar a graça que produzem e produzir a graça que significam. Esta significação deve ser encontrada, é verdade, em todo o rito essencial, ou seja, na matéria e na forma; mas ela pertence particularmente à forma, pois a matéria é uma parte indeterminada por si mesma, e é a forma que a determina. Essa distinção torna-se ainda mais evidente na colação do sacramento da Ordem, onde a matéria, pelo menos tal como a consideramos aqui, é a imposição das mãos; esta, certamente, não tem por si só nenhum significado preciso, e é usada tanto para certas Ordens quanto para a Confirmação.
Ora, até hoje, a maioria dos anglicanos considerou como forma própria da ordenação sacerdotal a fórmula: "Recebe o Espírito Santo"; mas essas palavras estão longe de significar, de maneira precisa, o sacerdócio enquanto Ordem, a graça que ele confere ou seu poder, que é sobretudo o poder de consagrar e oferecer o verdadeiro corpo e o verdadeiro sangue do Senhor4, no sacrifício, que não é a simples comemoração do sacrifício realizado na Cruz5. Sem dúvida, mais tarde foram acrescentadas a essa forma as palavras "Para o ofício e o cargo de sacerdote"; mas isso é mais uma prova de que os próprios anglicanos consideravam essa forma como defeituosa e imprópria. Essa mesma adição, supondo que pudesse dar à forma a significação requerida, foi introduzida tarde demais; pois, um século já havia se passado desde a adoção do Ordinal de Eduardo e, por consequência, a hierarquia estando extinta, o poder de ordenar não existia mais.
É em vão que, para as necessidades da causa, foram feitas recentemente novas adições às orações desse mesmo Ordinal. Citaremos apenas um dos muitos argumentos que mostram o quanto essas fórmulas do rito anglicano são insuficientes para o objetivo a ser alcançado: ele substituirá todos os outros. Nessas fórmulas, tudo o que, no rito católico, destaca claramente a dignidade e os deveres do sacerdócio foi deliberadamente retirado, e, portanto, não pode ser a forma adequada e suficiente de um sacramento, aquela que omite o que deveria ser especificado expressamente.
O mesmo se aplica à consagração episcopal. De fato, não apenas as palavras "Para o ofício e o cargo de bispo" foram acrescentadas tarde demais à fórmula "Recebe o Espírito Santo", mas também, como logo diremos, essas palavras devem ser interpretadas de forma diferente da do rito católico. De nada serve invocar, a esse respeito, a oração que serve de preâmbulo: "Deus Todo-Poderoso", já que também foram retiradas as palavras que designam o sacerdócio supremo. Na verdade, seria estranho à questão examinar aqui se o episcopado é o complemento do sacerdócio ou uma Ordem distinta; investigar se o episcopado conferido per saltum, ou seja, a um homem que não é sacerdote, produz ou não seu efeito, também seria inútil. Não há dúvida e é evidente pela própria instituição de Cristo que o episcopado faz realmente parte do sacramento da Ordem e que é um sacerdócio de um grau superior; além disso, é o que insinua a linguagem habitual dos santos Padres e os termos usados em nosso ritual, onde é chamado o sacerdócio supremo, o ápice do ministério sagrado. Daí resulta que, tendo o sacramento da Ordem e o verdadeiro sacerdócio de Cristo sido totalmente banidos do rito anglicano, e não conferindo a consagração episcopal desse mesmo rito de modo algum o sacerdócio, o episcopado também não pode ser realmente e legitimamente conferido, tanto mais que, entre as principais funções do episcopado, está a de ordenar os ministros para a Sagrada Eucaristia e o Santo Sacrifício.
Para apreciar de maneira exata e completa o Ordinal anglicano, além dos pontos destacados por certas passagens, nada vale mais do que o exame minucioso das circunstâncias nas quais ele foi composto e publicado. Passar todas em revista seria longo e inútil; a história dessa época mostra de forma eloquente qual espírito animava os autores do Ordinal em relação à Igreja Católica, que apoios buscaram nas seitas heterodoxas e qual era seu objetivo. Sabendo muito bem da relação necessária que existe entre a fé e o culto, entre a lei da crença e a lei da oração, eles desfiguraram grandemente o conjunto da liturgia de acordo com as doutrinas errôneas dos inovadores, sob o pretexto de restaurá-la à sua forma primitiva. Assim, em todo o Ordinal, não apenas não se faz menção expressa do sacrifício, da consagração, do sacerdócio, do poder de consagrar e oferecer o sacrifício, mas também as menores vestígios dessas instituições, que ainda subsistiam nas orações do rito católico parcialmente conservadas, foram suprimidos e apagados com o cuidado mencionado anteriormente.
Assim, aparecem por si mesmos o caráter e o espírito original do Ordinal. Se, viciado desde o início, ele não podia ser seguido para as ordenações, também não podia ser validamente empregado no decorrer dos tempos, já que permaneceu inalterado. Portanto, foi em vão que, desde a época de Carlos I, muitos tentaram admitir algo do sacrifício e do sacerdócio, uma vez que nenhuma adição foi feita desde então ao Ordinal; é em vão também que um pequeno número de anglicanos recentemente reunidos pensa poder dar a esse Ordinal uma interpretação satisfatória e regular.
Esses esforços, dizemos Nós, foram e são estéreis, e isso por outro motivo: se o atual Ordinal anglicano apresenta algumas expressões ambíguas, elas não podem ter o mesmo sentido que no rito católico. De fato, a adoção de um novo rito que nega ou desvirtua o sacramento da Ordem e que repudia toda noção de consagração e de sacrifício retira da fórmula "Recebe o Espírito Santo" todo o seu valor; pois este Espírito só penetra na alma juntamente com a graça do sacramento. Perdem também seu valor as palavras "Para o ofício e o cargo de sacerdote ou bispo e outras semelhantes"; elas não passam então de palavras vãs, sem a realidade da coisa instituída por Cristo.
A força desse argumento aparece para a maioria dos próprios anglicanos, que interpretam rigorosamente o Ordinal; eles o opõem francamente àqueles que, com uma nova interpretação e movidos por uma vã esperança, atribuem aos Ordens assim conferidos um valor e uma virtude que eles não possuem. Esse argumento destrói por si só a opinião que considera como forma legítima suficiente do sacramento da Ordem a oração Omnipotens Deus, bonorum omnium largitor, que se encontra no início da ordenação; e isso mesmo que essa oração pudesse ser considerada suficiente em algum rito católico que a Igreja tenha aprovado.
A esse vício de forma intrínseco, liga-se o defeito de intenção: ora, a forma e a intenção são igualmente necessárias para a existência do sacramento. O pensamento ou a intenção, na medida em que é uma coisa interior, não está sujeita ao julgamento da Igreja; mas esta deve julgar a manifestação exterior. Assim, alguém que, na confecção e administração de um sacramento, emprega seriamente e de acordo com o rito a matéria e a forma requeridas, é presumido, pelo próprio fato, ter tido a intenção de fazer o que faz a Igreja. É nesse princípio que se baseia a doutrina segundo a qual é válido todo sacramento conferido por um herege ou um homem não batizado, desde que seja conferido segundo o rito católico. Ao contrário, se o rito é modificado com o objetivo manifesto de introduzir outro não admitido pela Igreja e de rejeitar aquele que ela utiliza e que, por instituição de Cristo, está ligado à própria natureza do sacramento, então, evidentemente, não apenas a intenção necessária ao sacramento está ausente, mas há uma intenção contrária e oposta ao sacramento.
Tudo o que precede, Nós o meditamos longamente e cuidadosamente primeiro Nós mesmos, depois com Nossos Veneráveis Irmãos juízes da Suprema. Inclusive, convocamos especialmente esta assembleia em Nossa presença, na quinta-feira, 16 de julho passado, na festa de Nossa Senhora do Carmo. Eles foram unânimes em reconhecer que a causa proposta já havia sido há muito tempo plenamente instruída e julgada pela Sé Apostólica; que a nova investigação aberta sobre o assunto apenas demonstrou de forma mais clara com quanta justiça e sabedoria a questão havia sido resolvida. Contudo, julgamos bom adiar Nossa sentença, a fim de melhor avaliar a oportunidade e utilidade de pronunciar novamente a mesma decisão por Nossa autoridade e a fim de atrair sobre Nós, do céu, por Nossas súplicas, uma maior abundância de luz.
Considerando então que este mesmo ponto de disciplina, embora já canonicamente definido, é novamente posto em discussão por alguns — seja qual for o motivo da controvérsia —, e que disso pode resultar um erro fatal para muitos que pensam encontrar o sacramento da Ordem e seus frutos onde eles não estão de forma alguma, pareceu-nos bom, no Senhor, publicar Nossa sentença.
Por isso, conformando-nos a todos os decretos de Nossos predecessores relativos à mesma causa, confirmando-os plenamente e renovando-os por Nossa autoridade, de Nosso próprio movimento e de ciência certa, pronunciamos e declaramos que as ordenações conferidas segundo o rito anglicano foram e são absolutamente vãs e inteiramente nulas.
Como foi na qualidade e com os sentimentos de Pastor supremo que Nos empenhamos em mostrar a verdade mais certa de um assunto tão grave, resta-nos exortar no mesmo espírito aqueles que desejam e buscam sinceramente o benefício das Ordens e da hierarquia. Até hoje, talvez, excitando seu ardor pela virtude, relendo com mais piedade as Sagradas Escrituras, redobrando suas fervorosas orações, eles não respondiam, no entanto, senão com incerteza e ansiedade à voz de Cristo que já os pressionava com apelos interiores. Eles veem hoje claramente onde esse bom Pastor os chama e os quer. Que retornem ao rebanho, então obterão os benefícios desejados e os auxílios que disso resultam para a salvação, auxílios cuja administração ele mesmo confiou à Igreja, guardiã perpétua de sua Redenção e encarregada de distribuir os frutos dela às nações. Então, eles beberão com alegria das águas das fontes do Salvador, que são seus sacramentos maravilhosos, os quais restauram a amizade de Deus aos fiéis verdadeiramente purificados de seus pecados, os nutrem e fortalecem com o pão celestial e lhes dão abundantemente preciosos auxílios para conquistar a vida eterna.
Se eles têm verdadeira sede desses bens, que o Deus da paz, o Deus de toda consolação, em sua infinita bondade, os faça gozá-los sem limites.
Queremos que Nossa exortação e Nossos votos se dirijam mais especialmente àqueles que são considerados por suas comunidades como ministros da religião. Que esses homens colocados acima dos outros por suas funções, sua ciência e sua autoridade, que certamente têm a glória de Deus e a salvação das almas em seus corações, se apressem a responder e obedecer ao Deus que os chama; assim, darão um nobre exemplo. Será com uma alegria singular que sua Mãe, a Igreja, os receberá, os cercará de sua bondade e de seus cuidados, como convém a homens que uma virtude mais generosa terá feito retornar ao seu seio através de dificuldades particularmente árduas. Mal se pode dizer qual entusiasmo suscitará essa corajosa resolução nas assembleias de seus irmãos, em todo o mundo católico, que esperança e que confiança lhes permitirá um dia, diante de Cristo, seu juiz, e que recompensa esse Cristo lhes reserva no reino dos céus. Quanto a Nós, tanto quanto pudemos, não cessamos de favorecer sua reconciliação com a Igreja, na qual, isoladamente ou em massa — o que desejamos muito vivamente —, podem escolher muitos exemplos a imitar.
Enquanto isso, oremos todos e peçamos, pelas entranhas da misericórdia divina, que eles se esforcem por apoiar fielmente a ação evidente da verdade e da graça divina.
Decretamos que esta Carta e tudo o que ela contém nunca poderá ser taxado ou acusado de adição, de supressão, de falta de intenção de Nossa parte ou de qualquer outro defeito; mas que ela é e será sempre válida e em toda a sua força, que deverá ser inviolavelmente observada por todos, de qualquer grau ou preeminência que se esteja revestido, seja em julgamento, seja fora de julgamento; declarando vão e nulo tudo o que poderia ser adicionado de diferente por qualquer um, qualquer que seja sua autoridade e sob qualquer pretexto, conscientemente ou por ignorância, e nada contrário deverá impedi-la.
Queremos, além disso, que os exemplares desta mesma Carta impressos, portando, contudo, o visto de um notário e munidos do selo por um homem constituído em dignidade eclesiástica, façam fé como faria a significação de Nossa vontade se fosse lida na presente Carta.
Dado em Roma, junto a São Pedro, no ano da Encarnação do Senhor mil oitocentos e noventa e seis, nas idas de setembro, no décimo nono ano de Nosso Pontificado,
C. card. DE RUGGIERO.
A. card. BIANCHI, Pro-Datário.
Referências
- Hb
13, 20.
- Feito
no mês de agosto de 1533, por cartas sob o selo: Si ullo unquam tempore
e Post nuntium nobis e por outras ainda.
- · Praeclara carissimi, 20 de junho de
1555.
- · Carta de 30 de outubro de 1555.
- · Decreto de Clemente XI, 17 de abril de 1704.
- · Concílio de Trento, Sess. xxiii, Du Sacr. de
l'Ordre, can. l.
- · Concílio de Trento, Sess. xxii, Du Sacrif. de
la Messe, can. 3.