A obra de Pe. Castellani e Pe. Ceriani
Por: Pe. Olivier Rioult
Tradução: Prof. Gabriel Sapucaia

O Apocalipse do Padre Leonardo Castellani
por Pe. Olivier Rioult | 10 de julho de 2022 | Pe. Rioult
Em 2010, uma revista intitulada Le Donjon, dirigida pelo Abbé Pinaud, teve a feliz ideia de alimentar a inteligência de seus leitores com comentários e reflexões sobre o Apocalipse.
Depois de citar São Pio X, que já em sua primeira encíclica afirmava que a "perversão dos espíritos", tal como se manifestava no início do século XX, dava "motivo para temer que fosse o começo dos males anunciados para o fim dos tempos", o diretor da revista anunciava a publicação de três obras de referência sobre o tema: A Parusia, do Cardeal Billot; A Revolução explicada aos jovens, de Dom de Ségur; e um comentário do Apocalipse do Padre Leonardo Castellani. Os dois primeiros autores são conhecidos e suas obras de fácil acesso. O mesmo não se pode dizer do Apocalipse do Padre Castellani. Antes de oferecer esse texto aos leitores da Sapinière, convém apresentar algumas informações biográficas sobre esse jesuíta argentino, amigo do Padre Meinvielle.
A vida desse sacerdote (1899–1981) é extraordinária sob diversos aspectos.
Leonardo Luis Castellani nasceu na Argentina, em Reconquista, província de Santa Fé, em 16 de novembro de 1899. Concluiu o bacharelado em 1917 e ingressou no noviciado da Companhia de Jesus no ano seguinte. Seus estudos foram brilhantes e profundos: letras, filosofia, história, castelhano e italiano. Em 1928, iniciou os estudos de teologia na Argentina, no Seminário Metropolitano, que completaria na Universidade Gregoriana de Roma. Foi ordenado sacerdote em 1930, permanecendo mais um ano em Roma para preparar o exame final do doutorado em filosofia e teologia, que obteve com sucesso. Em 1932, partiu para a França, onde permaneceu por três anos: frequentou como aluno regular cursos livres na Faculdade de Filosofia da Sorbonne. Em 1934, recebeu o diploma de Estudos Superiores em Filosofia, com especialização em Psicologia. Nesse meio-tempo, estudou a língua inglesa. Passou também por Lovaina, Alemanha e Áustria, aprofundando seus estudos em psicologia e nos problemas da educação. Retornou à sua pátria em 1935.
Na Argentina, durante onze anos, realizou uma imensa obra intelectual por meio da cátedra, dos livros e do jornalismo. Como professor, ensinou no Colégio El Salvador (lógica e história); no Seminário Metropolitano de Buenos Aires (psicologia e história da filosofia); no Colégio Máximo de San Miguel (metodologia); e no Instituto Nacional de Formação de Professores do Ensino Secundário (psicologia). Como autor, publicou diversos livros, inclusive uma tradução ao espanhol, com notas e comentários próprios, da Suma Teológica de São Tomás. Como jornalista, escreveu para publicações católicas e nacionalistas do país, e chegou a dirigir por um tempo a revista de sua Ordem: Études.
Esse ministério intenso mostrou ao Padre Castellani as deficiências do ensino e da formação no seminário metropolitano e no governo da província argentina da Companhia de Jesus. Esses problemas o preocupavam, e ele julgou ser seu dever tentar remediá-los, expondo suas críticas por meio dos recursos que todo professor de seminário e todo membro eminente da Ordem tinha à disposição. Mas seus juízos e advertências não foram aceitos por seus superiores. Como nada se podia fazer contra a mensagem, tentou-se eliminar o mensageiro…
Por volta de meados de 1946, o padre provincial exortou o Padre Castellani a abandonar a Companhia de Jesus, para dar a aparência de uma escolha voluntária àquilo que, na realidade, era um desejo de exclusão.
Tendo o Padre Castellani recusado esse subterfúgio, a perseguição se abateu sobre ele. Começou-se por lhe negar, contra todo direito, a voz ativa e passiva nas assembleias deliberativas dos professos. Foi então excluído da assembleia que deveria tratar das deficiências da vida religiosa na província, e também daquela que indicaria três candidatos para a escolha de um novo geral em Roma... Tudo isso foi feito sem nenhuma justificativa. A aceitação do Padre Castellani de figurar em uma das listas da Alianza Libertadora Nacionalista, a fim de ajudar um partido da direita nacionalista, por causa da urgência política, serviu então de pretexto para justificar seu afastamento. Uma parte do clero, sobretudo os jesuítas, já estava contaminada pelo esquerdismo, essa doença dos espíritos…
Diante dessa iniquidade, o Padre Castellani redigiu dez cartas dirigidas aos professos argentinos sobre o estado da província. Na realidade, essas cartas foram todas interceptadas e jamais chegaram ao destino. O Padre Castellani então decide encontrar-se com o Geral da Companhia, em Roma, para informar a autoridade superior de todos esses fatos. Chegando a Gênova, em 1º de janeiro de 1947, os superiores da casa jesuíta recusam-se a recebê-lo e lhe ordenam que prossiga sua viagem para a Espanha… O cardeal Siri, arcebispo de Gênova, intercede em seu favor e, por fim, o Geral aceita recebê-lo... A entrevista não durou nem dez minutos… O Padre Geral lhe diz para abandonar a Companhia de Jesus. Como o Padre Castellani ainda se recusa a deixar sua Ordem, recebe por escrito, em junho, a obrigação de se transferir para Manresa, na Espanha.
Ele se submete a essa ordem cruel, apesar da saúde debilitada e da resistência nervosa enfraquecida pelos inúmeros golpes que vinha sofrendo há algum tempo. E de modo heróico, até o limite de suas forças, permanecerá dois anos em Manresa, em grandes sofrimentos interiores e sob um ostracismo externo cotidiano. Mas suportar por mais tempo esse suplício poderia levá-lo à loucura… Por isso, com a ajuda e o conselho de quatro amigos, e recordando-se do exemplo de São João da Cruz, foge do convento para buscar auxílio e salvação em sua pátria, junto aos seus.
De volta à Argentina, em 18 de outubro de 1949, após a missa, lê-se para ele um decreto de expulsão da Companhia, assinado pelo Padre Geral e autenticado pelo Sumo Pontífice. Pio XII dispensava o procedimento das admoestações e da defesa do acusado… O Padre Castellani recorre imediatamente, canonicamente, às duas autoridades signatárias. Mas, estranhamente, permanece sem resposta. Assim, em virtude desse decreto abusivo, encontra-se, aos 50 anos, na rua, sem qualquer indenização, com a saúde comprometida e o espírito quebrado, em uma situação socialmente precária e difamatória.
Felizmente, acolhido amigavelmente em sua casa por Dom Roberto Tavella, arcebispo de Salta, sua saúde melhora pouco a pouco (1950–1952), mas a perseguição continua: o Padre Castellani é proibido de confessar, pregar, exercer qualquer capelania e, por conseguinte, é privado de todos os meios de subsistência pelo seu ministério sacerdotal. Em 1952, instala-se em Buenos Aires e tenta reassumir sua cátedra no Instituto Nacional de Formação de Professores do Ensino Secundário, cargo que manterá até 1955.
A partir dessa época, seus perseguidores o deixam um pouco mais em paz. As coisas se acalmam e essa relativa tranquilidade lhe permite iniciar uma nova obra intelectual, que será de impressionante fecundidade e qualidade… Durante esses anos, dará cursos de filosofia em vários lugares, sempre com grande sucesso junto ao público… Em 1961, depois de 12 anos, obtém novamente a permissão de celebrar publicamente a Missa em uma paróquia. Em 1966, o novo núncio apostólico, Dom Zanini, por autoridade própria, põe fim definitivamente à situação absurda e injusta que se impunha ao Padre Castellani: restitui-se-lhe inclusive plenamente, sem reservas nem condições, o ministério sacerdotal.
Durante esse longo período em que esteve suspenso a divinis, o Padre Castellani, que se definia como um eremita urbano, consagrou sua vida intelectual ao estudo das Sagradas Escrituras. Suas provações e sua ciência o tornaram mais perspicaz acerca das realidades divinas. Entre suas obras está o comentário do Apocalipse em seu sentido literal.
É este comentário, traduzido e entregue aos leitores do Donjon em 2009, que agora oferecemos aos leitores da Sapinière. O padre Castellani tinha por essa obra uma predileção toda especial e a considerava como o melhor de seus trabalhos. Para levá-lo a bom termo, ele leu todos os comentadores disponíveis do Apocalipse, em suas línguas originais, e chegou até a retomar o grego para traduzir o texto original. Confiaria a esse respeito: "para comprar um texto em grego, parei de fumar cachimbo; e para traduzi-lo, voltei a fumar…"
É evidente que se permanece livre para não partilhar deste ou daquele juízo particular do padre Castellani sobre esse mistério tão vasto revelado pelo Espírito Santo a São João, mas é certo que aqueles que aguardam o retorno de Cristo, aqueles que "aguardam a bem-aventurada esperança e a manifestação gloriosa do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo, que se entregou por nós…" (Tito 2,13), não lerão este comentário sem frutos para sua vida cristã, nem sem proveito para sua salvação…
Pois o fim dos tempos está próximo… uma vez que ele já começou.
A fonte do caos atual é, antes de tudo, religiosa. A loucura do mundo vem de seu orgulho em fabricar para si ídolos de toda espécie, sintetizados hoje na divinização do homem. Ora, "o culto dos ídolos sem nome é o princípio, a causa e o fim de todo mal." (Livro da Sabedoria 14, 21-27)
Ora, como mostramos em nosso livro A Apoteose Humana, quando se chega a perder ou a rejeitar a fé em Deus, que é o próprio Ser, a fonte e o princípio de toda ordem, chega-se a perder até mesmo a razão. Daí este mal-estar generalizado num mundo que rejeita sua finalidade e sua razão de ser: a vida já não tem mais sentido, nem como direção para um fim, nem como conhecimento do inteligível. O mundo ignora aquilo que uma criança de cinco anos sabe graças ao catecismo: o homem é um ser racional composto de alma e corpo, criado para amar, louvar e servir a Deus e, por esse meio, salvar sua alma…
Toda pessoa sensata admite que existe uma verdade objetiva, independente das nossas vontades. No mundo físico dos corpos, nos submetemos a ela; mas no mundo das almas, recusamo-nos a isso. Em teologia, esse pecado tem um nome: é a acedia. Para se entorpecer, para fugir do vazio criado por sua loucura, o homem então usará da razão unicamente para construir, fabricar, consumir — em resumo, para se drogar e se aturdir — a fim de evitar pensar (contemplar a verdade) e amar (agir moralmente) aquilo que o obrigaria a se converter…
Nosso mundo atingiu uma potência física jamais igualada até hoje… mas uma vontade de potência sem santidade é uma potência para o mal. Para fazer desaparecer o mal no mundo, é preciso fazê-lo desaparecer em nós; e para isso, é necessário acolher o Reino de Deus e as exigências da mensagem cristã… Ora, isso é recusado pela massa humana… "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava em Deus, e o Verbo era Deus… O Verbo se fez carne, e habitou entre nós. Ele desceu às trevas, e as trevas não o compreenderam. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam… mas àqueles que o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus." (Prólogo do Evangelho segundo São João)
A massa humana, não querendo a religião cristã e suas verdades reveladas (criação, desobediência, queda, redenção pela cruz de Cristo, julgamento, glória ou inferno…), está fadada a não compreender o mal no mundo nem o mal dentro de si. Não lutando contra os pecados capitais que a corroem, e não querendo mais se interrogar sobre a origem do mal, para não ter que se converter, a massa revoltada contra Deus e contra a ordem divina se volta contra a mensagem de Deus que denuncia esse mal no próprio homem — para o curar — assim como contra seus mensageiros: o Cristo, o Evangelho, a Igreja, o sacerdote, o cristão, ou mesmo um simples amigo portador de uma verdade incômoda…
"Não penseis que vim trazer a paz sobre a terra; não vim trazer a paz, mas a espada. Pois vim separar o filho do pai… e os inimigos do homem serão os de sua própria casa." (Mt 10, 34-36)
Ora, quem não se sabe doente não tem nenhuma chance de se curar; só pode perecer… Isso também é o que nos revela o Apocalipse, ao nos dizer que, no fim dos tempos, a potência do mal chegará ao paroxismo. O mal e a crueldade, o massacre e a escravidão, a degradação e a covardia, a mentira e a malícia, o absurdo e a injustiça, o assassinato legalizado e a destruição da vida em todos os seus aspectos (físico, intelectual, familiar, social…) serão tais que somente o retorno de Cristo em glória, julgando todos os homens, poderá pôr fim a essa iniquidade desencadeada… Eis a mensagem do Apocalipse, que encerra a Boa Nova, a revelação evangélica de Cristo.
O fim dos tempos será, portanto, o reino da mentira, da falsificação, da impostura e da fraude… E em nome dessas mentiras, suprimir-se-á a vida e perseguir-se-ão os homens que recusarem a idolatria do momento… pois "o diabo foi homicida desde o princípio e não permaneceu na verdade." (Jo 8,44). E como não haverá nada de novo sob o sol, a heresia do mundo do Anticristo será apenas a globalização sintética de todas as heresias do passado que resistiram ou tentaram destruir a obra de Deus sobre o homem.
E como Satanás é o macaco de Deus, lá onde Deus Pai nos oferece a divinização por seu Filho, incorporando todos os povos em seu corpo místico que é a Igreja, a fim de beatificá-los no Espírito divino no céu e por toda a eternidade, o mundo inimigo de Deus, como a serpente no jardim do Éden diante de nossos primeiros pais, nos propõe mentirosamente divinizar o homem por ele mesmo, unificar o mundo, mas destruindo os povos, a fim de construir um paraíso tecnológico na terra — que será, na verdade, um inferno desumano… Tudo isso, o mito moderno realiza em nome dos direitos do homem e da falsa "liberdade, igualdade, fraternidade…", que não são senão a falsificação idolátrica e naturalista da redenção sobrenatural dos homens operada pela Trindade Santa, Pai, Filho e Espírito Santo. Sobre este ponto, remetemos nossos leitores ao capítulo correspondente de nosso livro A Apoteose Humana.
"Pois onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração. Que vossos rins estejam cingidos e vossas lâmpadas acesas! E vós, sede como homens que esperam seu senhor ao voltar das bodas, para que, quando ele vier e bater, imediatamente lhe abram. Felizes aqueles servos que o senhor, ao chegar, encontrar vigiando! Em verdade vos digo: ele se cingirá, os fará sentar à mesa e passará para servi-los." (Lc 12, 34-37)
Cabe agora ao leitor entrar no drama do Apocalipse, onde o hedonismo universal provocará imensas dores, onde o paraíso tecnológico e transumanista que rejeita toda transcendência se tornará um inferno sobre a terra; onde a religião continuará existindo, mas falsificada, a serviço da política do Anticristo, que perseguirá os santos — os quais serão "vencidos", como Cristo na cruz, antes de ressuscitarem gloriosos graças ao Cordeiro que "tira os pecados do mundo".
Quer entender os vínculos que existem entre: a preocupação terrena, o dinheiro e sua idolatria, a inflação, o sistema capitalista, o desemprego, a usura, a Alta Finança e o sistema bancário moderno, o crédito e os "crashes" da bolsa, a "questão social" do proletariado, o liberalismo oposto ao comunismo como a avareza à ganância, a corrupção, a guerra, o Estado escravagista, o espírito de apostasia, o globalismo político transformado em sociedade do Anticristo sob a religião bastarda de um cristianismo desviado... e o Evangelho de Jesus Cristo, que é e permanece o soberano Senhor do universo?
Leia a magistral síntese do padre Ceriani: em uma dúzia de páginas, baseada no pensamento do padre Castellani, tudo é explicado de forma tão simples quanto clara!
por Pe. Olivier Rioult | 10 de dezembro de 2022 | Abbé Rioult
O padre Juan Carlos Ceriani (1954–…) foi ordenado sacerdote em 1983 por Dom Lefebvre. Exerceu seu apostolado pela FSSPX durante 21 anos na Argentina e, depois, durante 6 anos na França. Em 2009, publicou uma Carta explicativa de sua demissão da Fraternidade São Pio X, onde explicava como a FSSPX, devido à política de Dom Fellay, havia passado da "operação sobrevivência" de 1988 à "operação suicídio" de 2004–2009.
É também autor de diversos livros (entre os quais O Magistério Romano, Pe. Meinvielle e a Liberdade Religiosa), de artigos (A civilização cristã e a revolução à luz das parábolas do grão de mostarda e do homem forte armado & Desigualdade natural ou igualitarismo revolucionário?), de conferências (O judaísmo através da história & O judaico-cristianismo no coração da contra-igreja, nas jornadas Jean Vaquié em 2006), e de diversos programas especiais da Radio Cristiandad sobre Teologia da História e a revolução anticristã. Escreveu também diversos ensaios baseados nas obras do Pe. Leonardo Castellani, entre os quais O Reino de Cristo…, que publicamos aqui — concebido em 2007, publicado pela Radio Cristiandad em 2010 — e que sintetiza de forma magistral diversas reflexões do Pe. Castellani extraídas de suas obras.
Os leitores do sapiniere.info já conhecem o Pe. Castellani (1899–1981) desde a nossa publicação O Apocalipse do Pe. Leonardo Castellani.
Para compor esta brilhante síntese que você vai ler, o Pe. Ceriani se inspirou especialmente nas seguintes obras do Pe. Castellani:
- Decíamos ayer, Editorial Sudestada.
- El Estado Servil, p. 379 (1945);
- El Evangelio de Jesucristo, Ediciones Teoría (1959), Domingo Décimo Quarto depois de Pentecostes, p. 302;
- Domingueras Prédicas I, Ediciones Jauja, Domingo da Septuagésima, p. 51 (1963);
- Domingueras Prédicas II, Ediciones Jauja, Domingo Décimo Quarto depois de Pentecostes, p. 253 (1964);
- Las Parábolas de Cristo, Itinerarium (1960): Los Pájaros y los Lirios, p. 76; Los Patrones Prudentes, p.
- 117.
DA CRISTANDADE AO REINO DE CRISTO,
PASSANDO POR BABILÔNIA
Para combater em nós a preocupação terrena e seus efeitos funestos, Nosso Senhor nos propõe como exemplo, numa de suas parábolas, os pássaros do céu e os lírios do campo (Mateus 6, 24-33). Os pássaros não semeiam nem colhem, mas o Pai Celeste os alimenta; os lírios não trabalham nem fiam, e, no entanto, estão vestidos com mais magnificência que o próprio Salomão.
O homem justifica a preocupação terrena com uma objeção evidente: "É preciso dinheiro para viver!". Infelizmente, essa preocupação traz consigo o desejo das riquezas e todo um cortejo de males inumeráveis.
São Paulo nos diz:
"Aqueles que querem enriquecer caem na tentação e em armadilhas do demônio: uma porção de desejos inúteis e até nocivos, que precipitam os homens na ruína e na morte. A raiz de todos os males do mundo é o amor ao dinheiro; e muitos que se deixaram seduzir por ele acabaram perdendo a fé e infligiram a si mesmos muitos tormentos." (1Tm 6, 6–12)
A avareza se esconde até nos recônditos mais secretos da alma humana. Por isso o Divino Mestre nos previne: "Não sejais escravos do dinheiro. Pelo contrário, desprezai-o!"
Ele
não nos pede para sermos imprudentes, mas apenas para vencermos em nós a
solicitude terrena:
"Não vos preocupeis com o que comereis ou bebereis amanhã, pois o amanhã
cuidará de si mesmo. A cada dia basta o seu mal."
Para se libertar dessa solicitude — que está muitas vezes na origem da avareza e de tantos males — o cristão deve usar todos os meios, até os mais audaciosos, como, por exemplo, "vender tudo o que possui para oferecer aos pobres".
Mas dirão: já não estamos no tempo de Nosso Senhor. Hoje em dia, o mundo conhece o desemprego, a miséria, a falta de moradia, a fome; somos forçados a nos desapegar do dinheiro, já que ele nos é tirado. A Igreja ainda deve pregar o desapego dos bens terrenos e o desprezo ao dinheiro? Quando a economia mundial está em crise, ainda precisamos deste ensinamento do Evangelho?
Ora, é precisamente porque há fome que é preciso pregar esse Evangelho.
Com efeito, ao fim da parábola, Nosso Senhor conclui:
"Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas."
O que significa: "Se não buscardes primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, não obtereis nada."
Hoje temos inúmeras ocasiões para verificar a veracidade dessa previsão: a religião foi abandonada, apostatou-se, e as economias começaram imediatamente a desmoronar — assim como os costumes e os tronos…
DA SOLICITUDE TERRENA À QUESTÃO SOCIAL
Jesus Cristo não amaldiçoa o dinheiro; mas sim o mau uso do dinheiro, os ricos maus e a adoração do dinheiro, que Ele chamou de "ídolo iníquo"; ídolo, porque o idolatramos; iníquo, porque por causa dele cometemos iniquidades.
Jesus Cristo chama o dinheiro de iníquo porque, como diz São João Crisóstomo, "no fundo de toda grande fortuna há um crime".
Jesus Cristo sabia o que é o dinheiro…
O que ele é, na realidade? O dinheiro é um "vale", um bilhete.
Em si mesmo, ele não vale nada, equivale a um sinal; todos os bens terrenos são representados pelo dinheiro, mas se isso não corresponder a uma certa quantidade de propriedades, esse dinheiro nada vale, não tem valor algum.
E, no entanto, o dinheiro é vendido, comprado e alugado como se fosse um bem em si mesmo, em vez de um sinal.
Por quê? Porque, além de ser um sinal, é um instrumento; com o dinheiro posso comprar ferramentas, produzir mais bens, além de comer e me vestir.
Atualmente, é obrigatório "investir" o dinheiro, porque, devido a uma lei misteriosa formulada — embora não explicada — pelo grande economista genovês Augustin Maria Truco, o dinheiro está sempre se desvalorizando; ele perde seu valor de maneira vertiginosa, o que se chama de "inflação", e quem o guarda, perde.
Ao investir seu dinheiro, o homem entra no Sistema Capitalista; e nesse sistema a mão de obra deve ser a mais barata possível, e a massa operária deve sofrer com a necessidade, com a insegurança — isto é, com o desemprego — para que quem possui o dinheiro possa obter lucros.
Se eu empresto uma enxada, posso cobrar um aluguel por ela? Sim, porque não posso trabalhar enquanto o outro a usa, e além disso a enxada se desgasta.
Isso se chama "juros" ou renda.
Mas se eu exigir do tomador da enxada que me entregue tudo o que ele ganhou usando-a, deixando-lhe apenas uma pequena quantia para que possa comer e continuar trabalhando para mim, isso é justo? Isso se chama "usura" e é a base do Capitalismo.
Se eu monopolizo todas as enxadas do país, alugando-as para quem eu quiser, e se posso cobrar o aluguel como me aprouver, sob pena de os tomadores morrerem de fome… isso se chama Grande Finança, ou Alta Finança, ou Capital Financeiro.
A Alta Finança é um poder oculto e formidável que opera por meio do Sistema Bancário moderno.
O Sistema Bancário moderno se baseia numa ficção — poder-se-ia dizer numa fraude — e ele abre as portas para inúmeras e enormes fraudes.
Tomemos um exemplo típico: o Banco da Inglaterra, modelo e mestre de todos os Bancos.
O Banco da Inglaterra foi fundado assim: o rei Guilherme III (1817–1890) precisava de 1.200.000 libras esterlinas. Um agiota judeu de Frankfurt chamado Rothschild (isto é, "escudo vermelho") emprestou-lhe essa quantia.
Ele a emprestou com a seguinte condição: o rei, ao receber essa quantia em ouro e comprometer-se a reembolsá-la a Rothschild, deu-lhe ao mesmo tempo a autorização de emitir e emprestar 1.200.000 bilhetes. Isso se chamou "ativo bancário".
Dessa forma, vê-se claramente que o dinheiro se multiplicou: o rei recebeu 1.200.000 libras esterlinas em ouro e as gastou; o Banco dispôs de outras 1.200.000 libras em notas, e pôde emprestá-las a outros devedores, ao mesmo tempo que esperava as 1.200.000 libras em ouro que o rei lhe devia.
Como o dinheiro representa bens e ele se multiplicou, enquanto, na realidade, os bens não se multiplicaram, isso significa que agora eles custam o dobro ou o triplo…
Esse acréscimo volta para os cofres de Rothschild, e quem paga é o consumidor.
E isso não é tudo: ainda há o que se chama de "Reserva". Os banqueiros logo perceberam que as pessoas que depositam dinheiro no banco para fazer empréstimos ou transações não retiram tudo, ou pelo menos não imediatamente. 5% ou 10% do depósito podem ser solicitados ao banco normalmente, levando em conta o que ela geralmente recebe.
"Vamos colocar 20% por segurança", diz o banqueiro; portanto, podemos emprestar 80%, ou seja, podemos emprestar dinheiro que não existe. Isso se chama "Crédito".
O banco empresta e cobra juros não apenas sobre todo o ativo que possui, mas quatro vezes mais, sobre dinheiro e bens que não existem. Supondo que possua realmente 20 libras, ela faz um empréstimo de 100 libras e cobra juros. Não apenas fabrica dinheiro, mas emite dinheiro irreal: "dinheiro fantasma".
Por que os bancos podem fazer isso? Porque as pessoas estão convencidas de que, se forem exigir seu dinheiro no banco, ele será entregue. Mas isso é um erro: se todos forem sacar ao mesmo tempo, o banco não poderá pagar; haverá uma crise, um "crash"; o banco quebrará e os clientes perderão total ou parcialmente seu dinheiro.
Alguém pode objetar que hoje em dia os "crashes" não acontecem mais porque o governo sustenta os bancos. De fato, o governo os sustenta… endividando-se mais, ou seja, às custas do contribuinte; nós pagamos essas fraudes por meio dos impostos. A regra é: "o banco nunca deve ser devedor, mas credor".
Mas não é possível impor um freio aos que especulam com a usura na Alta Finança?
Atualmente não é possível. A Alta Finança é mais poderosa do que governos e reis; ela faz tremer os políticos, e pode até provocar guerras internacionais, se assim desejar.
A Alta Finança empresta capitais aos industriais e chefes de empresas (capitais sem os quais as grandes empresas industriais hoje não poderiam sobreviver), e cobra juros usurários.
Os industriais, para não operarem no prejuízo, repassam naturalmente esses juros para os preços: os preços sobem; as pessoas não têm dinheiro para pagar, e isso gera penúria para elas.
Penúria no meio da superprodução. Torna-se então necessário destruir a produção para manter os preços. Seguem-se guerras para conquistar os "mercados", a "questão social", a inquietação, a amargura, a angústia…
Resumamos as consequências extremas do voluntarismo moderno:
1º — a vontade de produzir "a todo vapor", em vez de ordenar a produção ao consumo, o meio ao fim: com a consequência de que o homem fica subordinado à produção, o homem existe para a produção: isso é o Capitalismo.
2º — a vontade de planejar para aumentar a produção; o homem se vê forçado a se submeter aos modelos econômicos previstos pela planificação, e por isso deve trabalhar em conformidade.
3º — a vontade de uma nação de dominar as outras: os mercados.
4º — a vontade de "fazer dinheiro" sem limite: o lucro para aumentar o capital; mais capital, mais dominação, mais produção, mais lucro.
5º — a vontade de destruir a produção para fazer dinheiro, seja derramando vinho e queimando milho, seja por meio dessas grandes destruições coletivas que são as guerras.
6º — a vontade de destruir o dinheiro para produzir: o monopólio arbitrário do dinheiro, a inflação, a deflação.
7º — a vontade de destruir e ser destruído, que é diabólica; ou seja, o suicídio de Kirillov.
Mas por que o homem está entregue de forma tão absoluta e quase religiosa à técnica?
É porque há aí uma raiz religiosa: conquistar a terra é uma missão para o homem. Deus colocou o homem no Jardim do Éden para que, por um trabalho razoável e proporcional às suas forças, ele conquistasse toda a terra e a transformasse num Jardim do Éden.
O homem abandonou sua primeira relação, a relação com Deus, para se entregar com fúria à sua segunda relação, à relação com a terra; e preferiu construir a torre de Babel.
E o que ele preferiu não lhe foi recusado. Ele ainda tem diante dos olhos a torre de Babel… e é permitido pensar que, hoje em dia, estamos em vias de reconstruí-la…
BABILÔNIA
E assim chegamos a esse estado absurdo: penúria em meio à abundância, pobreza em meio às riquezas, fome em meio à superprodução de alimentos. Penúria artificial… e criminosa… É a tristemente célebre "questão social"…
O problema político e social mais importante da nossa época é a existência de um proletariado.
O proletário é a pessoa que não tem, para viver, senão seu salário, o qual pode ainda lhe faltar a qualquer momento.
É degradante para a alma humana manter seus pensamentos presos à preocupação com o cotidiano e ao temor do futuro e da miséria, quando sua inteligência lhe foi dada para instruir-se, elevar-se e contemplar.
O que mais perturba o proletário de hoje não é talvez tanto a falta de dinheiro, mas sim a insegurança. A pobreza é uma bênção, pois é um Purgatório; mas a miséria é um Inferno.
Esse estado de milhões de homens é consequência de uma disposição da economia que favorece a concentração dos meios de produção nas mãos de poucos — e isso é chamado de Capitalismo.
Esse problema é tão grave que a guerra mais importante da História foi provocada por ele… e isso voltará a acontecer…
O Capitalismo é uma ordem instável que necessariamente deveria desaparecer, pois é impossível ao homem viver nessas condições terríveis, no meio de guerras mundiais, guerras civis, lutas de classes e tentativas de solução como o Fascismo e o Comunismo.
As ilusórias "liberdades" do Liberalismo foram varridas pela "economia".
No coração do Capitalismo está a usura, disse Leão XIII; e no coração do Comunismo, a vingança e o ressentimento.
E o universo hoje está ameaçado por uma imensa guerra entre os maus ricos e os maus pobres; ou seja, aqueles que, de ambos os lados, "servem às riquezas", como disse Nosso Senhor Jesus Cristo.
Por causa da avareza e da cobiça, hoje milhares de homens morrem de fome. A cobiça e a avareza, no Ocidente, foram metodicamente erguidas como sistema econômico e político; e esse sistema foi substituído por outro ainda pior, no Oriente.
Os efeitos nocivos do Capitalismo, todos nós os conhecemos, pois os sofremos: desde a ineficácia dos governos acorrentados pelo poder do dinheiro até as grandes guerras modernas.
Mas as causas desses males, desses efeitos nefastos, nem todos as veem, porque de fato não são fáceis de reconhecer. Elas foram estudadas nas Encíclicas Sociais dos Soberanos Pontífices, cuja primeira, a Rerum Novarum de Leão XIII, é sem dúvida a melhor, a mais breve e a mais clara. Em um só parágrafo ele enumera os males do Capitalismo, sem usar este termo — que foi utilizado depois por Pio XI —, mas tudo está lá:
─ o que o Capitalismo gerou, a saber: a destruição das antigas corporações, a laicização dos Estados, a concentração de riquezas nas mãos de alguns poucos, a ruína das pequenas indústrias e do comércio para dar lugar aos monopólios;
─ o fundo de toda essa organização é a usura — não a usura superficial dos que chamamos com desdém de agiotas, mas a usura profunda dos que chamamos com respeito de "financistas"…
Essa usura profunda pode ser resumida em três operações principais:
Primeiramente, fazer com que o Dinheiro seja considerado produtor, quando ele é apenas um instrumento do Trabalho.
De fato, o Dinheiro é um instrumento com o qual se compram máquinas e matérias-primas; mas sem o Trabalho ele nada pode produzir.
Um pereiro produz peras e uma vaca produz bezerros; mas a moeda não gera moeda: quem produz é o trabalho.
O Capitalismo inverteu essa relação: fez do trabalhador um instrumento e do Capital o produtor, atribuindo-lhe todo o lucro, e dando ao trabalhador apenas o necessário para sobreviver; e hoje, tudo foi organizado para que os trabalhadores fiquem quietos. No entanto, eles nunca ficam quietos, porque muitos deles são maus pobres…
Em segundo lugar, converter o Trabalho e o Dinheiro em mercadorias, e comercializar não só com o Dinheiro, mas também com o Crédito, que é a sombra do Dinheiro.
Esse processo tem uma longa história, muito mais complexa do que o que aqui se diz, mas esse é o fundo da questão.
Depois de ter conseguido comprar o Trabalho, o Capitalismo começou a vender o Dinheiro, pois o Dinheiro tornou-se uma coisa viva que gera dinheiro. E pior ainda: terminou vendendo a sombra do dinheiro, ou seja, o Crédito — vendendo dinheiro que, de fato, não existe.
Surgiram então todos esses enganos e fraudes que nem conseguimos compreender: estrangulamento do mercado, pânico do mercado, manobras com os valores, especulação etc. — tudo isso pela mão das Bolsas, dos Bancos e dos grandes Usurários e Empresários; fraudes e enganos acompanhados de crimes políticos, tudo isso condensado em uma só palavra: Corrupção.
Fica-se estarrecido com a quantidade de crimes ocultos que se escondem atrás desse brilhante pano de fundo chamado "os Grandes Negócios".
Em terceiro lugar, apropriar-se, ocultamente ou não, dos instrumentos do poder público, a fim de manter de pé esse sistema financeiro rigidamente organizado.
E a guerra torna-se também necessária: a luta de classes entre patrões e trabalhadores, a luta entre os próprios patrões, a concorrência entre os grandes monopólios e os grandes Bancos, e por fim a guerra entre as nações, ou melhor ainda, entre Continentes inteiros — situação que já conhecemos.
É verdade que nessas guerras mundiais intervêm outros fatores, pois também são "guerras religiosas", ideológicas, heréticas; mas, na base de tudo isso, está esse vício miserável da avareza e da cobiça pelo dinheiro.
ÚLTIMA MANIFESTAÇÃO BABILÔNICA: O ESTADO SERVIL
A solicitude terrestre, passando pelo Sistema Capitalista e pelo Sistema Bancário, conduziu-nos a esse estado absurdo de penúria em meio à abundância… a célebre Questão Social…
A Questão Social é difícil justamente porque é completamente "social"; não diz respeito apenas aos patrões e operários, ou aos empregadores e empregados, mas à sociedade inteira — até mesmo ao clero.
Quem poderá solucionar essa grave questão? Somente Cristo e sua Igreja… ou o Anticristo, mas através de uma falsa solução…
A Questão Social provocada pelo Capitalismo tem uma só solução: a tradicional, a católica. O demônio, por sua vez, oferece dois subterfúgios: o desvio socialista e a guinada estatista.
A revolução socialista considera a propriedade privada um mal em si mesma e propõe convertê-la toda, ou quase toda, em "Propriedade Pública"; isto é, colocar os meios de produção (terra e capital) nas mãos de políticos que os administrarão para o bem de todos.
A solução tradicional considera a propriedade privada um bem, e um mal a sua fragmentação indefinida (minifúndio) ou sua concentração nas mãos de uma minoria de milionários e monopólios irresponsáveis e antissociais.
Essa solução tende a romper a roda infernal da proletarização com o surgimento de uma nação de proprietários. Durante muito tempo isso existiu — e o mundo jamais foi mais feliz. Toda a nossa civilização tem origem nesse tempo.
Existe uma terceira proposta, que está se realizando por si mesma ou pela força das circunstâncias, e que consiste em fornecer ao proletariado segurança ao preço de sua liberdade, sem tocar no latifúndio. Ou seja, tende-se ao Estado Servil ou escravagista em que esteve o mundo durante milhares de anos antes do advento do Cristianismo — e ainda por muitos séculos depois.
A sociedade atual está se tornando novamente pagã — e, por conseguinte, reaparecem nela os grosseiros problemas do paganismo, em todos os níveis.
Os pagãos resolveram a questão social por meio da Escravidão; e a sociedade moderna caminha novamente rumo à escravidão — uma escravidão dissimulada, chamada por Belloc de "Estado Servil".
O mundo moderno escutou amplamente as palavras de Cristo — e não as pôs em prática; e daí provêm as "favelas", os "cortiços" ou as "periferias" das cidades modernas — uma realidade desconhecida nas cidades de outrora. Daí provêm também muitas outras ruínas e catástrofes.
A antiga ordem econômica cristã foi destruída; e a economia, atiçada pela avareza, enlouqueceu; e a política perdeu um de seus mecanismos, se não todos.
O mundo passou a se debater em conflitos universais e… apocalípticos, tamanha é a veracidade de que "a ruína foi enorme".
Com efeito, dois sistemas econômicos — que são também políticos e até mesmo religiosos (isto é, antirreligiosos) —, o Capitalismo e o Comunismo, combateram-se com todas as armas, durante décadas, para impor ao mundo a sua forma própria — forma essa que é disforme, pois um se baseia no abuso da propriedade privada, e o outro na sua eliminação.
Entre ambos surgiu um terceiro sistema: o "Neocapitalismo ianque", que é uma combinação fraudulenta dos dois anteriores.
Esse Neocapitalismo pretende que, com a aquisição de "ações das fábricas", os trabalhadores tornam-se proprietários — e que seu nível de vida é o mais elevado do mundo; pretende, assim, superar ao mesmo tempo o Capitalismo e o Comunismo.
A resposta é evidente: os trabalhadores tornam-se proprietários sem voto efetivo, isto é, são não-proprietários; pois o verdadeiro proprietário é aquele que pode dirigir aquilo que lhe pertence e mandar nos seus próprios assuntos. Ademais, o alto nível de vida dos Estados Unidos é obtido ao preço do baixo nível de vida de outras nações; a Ianquilândia, em nossos dias, transfere sua inflação para outras nações ingênuas.
O que se chama Neocapitalismo é um fenômeno curioso — uma mistura produzida pela pressão dos dois outros sistemas — cujo resultado pode ser chamado (cruamente) Escravização Paternalista do Pobre.
Com esse sistema, o trabalhador industrial é reduzido ao "estado servil" do escravo dos tempos pagãos — mas de forma refinada e dissimulada: obtém segurança ao preço de sua liberdade.
É como se o Patrão dissesse:
"Terás o sustento por toda a vida: hospital, dentista e cinema; mas trabalharás para mim por toda a vida — para mim e não para outro; onde eu te colocar, e não onde desejares. Meus Parlamentos farão para ti uma maravilha de Leis Protetoras do Trabalhador, e minha esposa será membro da Sociedade das Damas Capitalistas Protetoras do Filho do Trabalhador…"
Essa era precisamente a condição do antigo escravo, que geralmente não era maltratado; ao contrário, era tratado como uma coisa valiosa, como um boi ou um cavalo.
É um Estado em que os trabalhadores (inclusive os intelectuais) têm assegurado seu sustento em troca da liberdade, isto é, trabalhando obrigatoriamente toda a vida para o benefício dos senhores.
O mundo moderno caminha rumo a esse estado de coisas: a "condição servil".
Em suma, o resultado da liquidação do Capitalismo deve necessariamente conduzir a uma destas três coisas: ou ao Comunismo, ou à Propriedade, ou à Escravidão.
Quer dizer, em termos históricos, que o mundo não tem outra saída senão voltar ao Paganismo, ou voltar ao Cristianismo, ou cair numa nova Sociedade, atualmente em fase experimental, que — para um crente — não pode ser outra senão a Sociedade do Anticristo.
O estado legal de escravidão já começou no mundo sem que este se dê conta — salvo por parte dos espíritos mais penetrantes. Já existe, não sob o nome de escravidão — que repugna nossos atavismos cristãos —, mas sob nomes simpáticos como Reformas Sociais ou Leis Trabalhistas.
A situação do trabalhador atual tende a tornar-se pior que a do antigo. O servo trabalhava toda a vida em benefício de outrem, em troca de segurança, sustento e com a possibilidade de manumissão ou libertação legal.
O trabalhador moderno, porém, de fato carece dessas duas últimas vantagens. A liberdade política que se pretende haver-lhe concedido é completamente ilusória: não há verdadeira liberdade política, nem dignidade humana, sem, de algum modo, propriedade.
Esses princípios permitem julgar com segurança as pretensas reformas sociais que os eminentes especialistas em questões sociais nos apresentam como grandes novidades.
Não é difícil julgá-las: se conduzem à redistribuição da propriedade e à multiplicação dos proprietários, são boas; caso contrário, são más.
Aumentos salariais, seguridade social, caixas de aposentadoria, arbitragem obrigatória, salário mínimo, sanatórios obrigatórios, dentistas gratuitos, bolsas de trabalho etc., por si mesmos não tocam o problema do proletário; mas, se o tocam às custas de sua liberdade, são então nocivos — porque o conduzem à pior das soluções: a restauração legal e dissimulada da antiga escravidão.
É preciso, portanto, dizer aos trabalhadores aquilo que já percebem instintivamente: que a aposentadoria é uma fraude, que as seguridades sociais são uma trapaça, e que os aumentos de salários são uma pantomima.
Os verdadeiros progressos sociais são os que promovem a liberdade de contrato, a liberdade de associação corporativa e o direito de greve — completados por uma educação moral das massas, que lhes permita gozar dessas liberdades sem delas abusar.
SOLUÇÃO CRISTÃ PARA A QUESTÃO SOCIAL
Se Cristo pode resolver a questão social, por que não a resolve? Cristo já a resolveu ao vir ao mundo, ao pregar sua doutrina e ao morrer por ela.
Durante os dez séculos da Cristandade europeia, não se morria de fome, não havia ociosidade nem miséria; todos estavam contentes em seu lugar — o camponês não invejava o rei, ao contrário, os reis santos invejavam os camponeses.
Se havia miséria e fome, era de modo acidental, por causa de alguma peste ou invasão de bárbaros que queimavam, destruíam, pilhavam e que, ao fim, eram vencidos. Mas não havia miséria como agora, enraizada nas próprias estruturas sociais; agora é uma peste contínua e um incêndio permanente.
Cristo não a resolverá novamente? Talvez — não sabemos. Isso depende de nós, e em grande parte da conversão da Europa a Cristo.
O blasfemador Renan disse: "Cristo não deu solução para a questão social porque sua preocupação era salvar almas individuais, não reformar a sociedade nem fazer política; pois seu temperamento utópico de camponês galileu não percebia os condicionamentos sociais nem os problemas coletivos" (Vida de Jesus).
Essa ideia é um erro. Na doutrina que Jesus ensinou pela parábola dos pássaros e das plantas encontra-se a solução da famosa "questão social".
O problema social da luta de classes por causa do dinheiro desapareceria se a sociedade conseguisse dizer a seus membros as palavras de Jesus Cristo:
"Não vos preocupeis com vossa vida, com o que comereis; nem com o corpo, com o que vestireis": a comunidade cuidará disso. Servi à Pátria livremente como um bom cavaleiro, e a Pátria cuidará de vós como uma mãe…
Parece haver aqui um círculo vicioso: nem a sociedade nem o indivíduo conseguem dar com segurança o primeiro passo. O indivíduo deve esperar, para confiar, que a sociedade seja perfeita?... Ora, ela não pode sê-lo se seus membros não o forem já… Pareceria, então, que estamos diante de uma utopia completa.
Mas Jesus Cristo já rompeu esse círculo ao convidar os mais fervorosos, os mais espirituais, os mais corajosos a renunciarem a tudo ousadamente, por puro amor a Deus, para imitá-lo, sem garantias prévias — salvo a da Providência —, por sua conta e risco, "a embarcar em barcos emborcados", segundo Kierkegaard.
Jesus Cristo lançou à brecha uma pequena falange de heróis, os quais, vivendo voluntariamente na pobreza:
- provam que é possível viver "como os pássaros do céu e os lírios do campo";
- incitam, por seu exemplo, os outros ao desapego e à confiança;
- vivendo com o mínimo, oferecem o excedente aos demais; e deixam, em última instância, a maior margem de bens temporais à humanidade em geral — pois, paradoxalmente, ninguém pode dar mais do que aquele que possui pouco.
A esses dois pontos — o mandamento de fugir da solicitude (mãe do medo, da avareza, da exploração do trabalho alheio) e o conselho da pobreza voluntária — junta-se o vae vobis divitibus, ou seja, os terríveis anátemas de Cristo contra a riqueza e os ricos.
Ao tornar suspeitas e perigosas as riquezas supérfluas, Cristo opõe à sua terrível atração natural o contrapeso religioso; dessa forma, facilita sua justa distribuição, na medida do possível e apesar da natureza humana ferida pelo pecado original.
Esses três formidáveis alavancas criaram, pouco a pouco, na Cristandade, aquilo que hoje se chama "justiça social", tanto na prática quanto na teoria; e suscitaram instituições sólidas (clero, nobreza, burguesia e universidade), que iriam, pouco a pouco, aproximar-se do ideal de uma Sociedade que cuida de seus membros.
Se hoje, quando o Estado é um dos primeiros exploradores, isso nos parece mero lirismo, a culpa não é de Nosso Senhor Jesus Cristo; as catástrofes que vimos e as que nos ameaçam confirmaram o valor de cada uma de suas palavras.
Quanto à solução tradicional, é muito difícil que ela desempenhe um papel no mundo moderno desnorteado, pela simples razão de que as duas outras soluções seguem a linha de menor resistência e são mais fáceis — justamente por serem falsas: para erguer aquele que caiu no fosso, é preciso esforço; mas para afundá-lo de vez, basta empurrar um pouco.
Dado que a perda da Fé foi o que facilitou, na Europa, a chegada do Capitalismo e, depois, sua orientação para o Estado Servil, essa solução tradicional é impossível sem uma ressurreição prévia ou simultânea da Fé, com a restauração da Igreja.
Para o teólogo, todas essas questões sociológicas tão complicadas são muito simples: ele as resolve com um só texto:
"Ninguém pode servir a dois senhores. De fato, não se pode servir a Deus e ao dinheiro."
A alternativa que Cristo apresentou ao serviço de Deus foi a escravidão às riquezas. Ele não fala da luxúria, do excesso, da ambição, da preguiça… O outro Senhor, fatal e necessário, é Plutão.
O REINO DE CRISTO
Assim, a Cristandade deixou de servir a Deus e caiu sob o jugo da avareza, da usura, do dividendo, do "Mau Rico" do Evangelho.
Algumas nações hoje simplesmente liquidaram Deus, aceitando tranquilamente como senhor o dinheiro — isto é, o sangue do pobre, o sangue do Pobre dos Pobres, vendido por trinta moedas de prata; e o mais terrível é que até hoje esse pequeno comércio continua... e vai bem...
Outras
nações, porém, ainda hesitam entre os dois senhores. Não penseis que esta é a
melhor solução. Dom Claudio tinha razão quando repetia antes de morrer, falando
dos católicos liberais:
"Aquele que acende uma vela para o diabo, acende uma vela para o diabo; mas
aquele que acende uma vela para Deus e outra para o diabo, acende três velas
para o diabo."
É curioso constatar que, quando os Estados se tornaram virtualmente ateus e disseram: "A religião é um assunto privado", a irreligião transformou-se em assunto público; e quando os Reis disseram a seus súditos que "não tinham de se preocupar com a salvação das almas", tiveram de se preocupar com a salvação de suas cabeças coroadas...
O capitalismo teórico (de Adam Smith ou de Bentham) pretendia converter o mundo num Éden pela abundância obtida através da superprodução. Não se pode negar que esse é o melhor meio de se obter a maior produção, mas isso não é o mesmo que a maior felicidade coletiva humana.
O capitalismo fracassou, pois duas Guerras Mundiais, uma guerra internacional latente (a Guerra Fria), outra guerra quente que se prepara e aterroriza o mundo, e a guerra civil permanente da "luta de classes" o desmentiram como uma bofetada.
Entre 1945 e 1988, o ponto culminante da vida política mundial foi um braço de ferro diplomático entre a Rússia e os Estados Unidos, com a ameaça de uma enorme guerra; era a rivalidade entre o capitalismo e o comunismo, esses dois grandes movimentos mundiais. Era, portanto, o liberalismo em oposição ao seu filho, o comunismo.
O modernismo os une, funde-os numa liga religiosa... Era previsível e até provável, pelo menos para o observador clarividente, que o comunismo não se converteria, mas se fundiria com o liberalismo e o modernismo, para formar a trança do Anticristo.
Walter Rathenau ocupou o Ministério das Relações Exteriores da Alemanha em 1922 e pouco tempo depois foi assassinado por dois oficiais da marinha que o consideravam a maior expressão alemã de um equilíbrio entre a máquina financeira e o comunismo.
Em 1909, Rathenau escreveu:
"Trezentos homens, que todos se conhecem, dirigem o destino econômico do continente e escolhem seus sucessores entre os que os rodeiam."
E quando houve as conversações de paz em Versalhes, ao fim da Primeira Guerra Mundial, ele expressou sem rodeios qual é a natureza da "ordem" que pretende instaurar a Máquina Financeira:
"Nada de nações, nada de fronteiras, nada de exércitos... Assim se extinguem a hereditariedade, a riqueza, as diferenças de classe... Já não há pátria, nem poder, nem cultura... As nações devem se transformar em sociedades anônimas, cujo objetivo essencial será 'satisfazer abundantemente as necessidades do indivíduo'; sociedades nas quais a propriedade será totalmente despersonalizada e onde as coletividades humanas obedecerão a uma autoridade superior mais poderosa do que todos os poderes executivos, pois disporá da administração econômica do mundo."
Esse projeto não pode ter êxito sem a ajuda de uma Religião universal bastarda. O Apocalipse (18, 9-24) mostra que uma Grande Cidade, suntuosa e prostituída, dominará o mundo em virtude do poder do dinheiro e de uma Religião falsificada — digamos sem medo, de um cristianismo adulterado.
A Grande Babilônia apocalíptica possui os traços próprios do Capitalismo: o principado dos mercadores, que são os que realmente governam hoje às escondidas e por engano; as feitiçarias do luxo, do prazer e do conforto que deslumbram as massas; e, no fim, quando é o próprio Deus que fere, o homicídio, a guerra e a perseguição como meios de sustentação...
A Grande Babilônia irá à perdição quando sua iniquidade se tiver elevado até o trono de Deus — ou seja, quando tiver colocado a religião a seu serviço.
O dinheiro é hoje o Senhor do Mundo... Quando o dinheiro manda numa sociedade, é sinal de que o Diabo tomou posse do mundo...
"Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares."
A revelação de São João nos apresenta no seu Apocalipse o desfecho do mistério da Babilônia política. Depois que Satanás foi lançado à terra e iniciou a grande tribulação, sabendo que lhe resta pouco tempo, São João viu surgir do mar uma Besta com 10 chifres e 7 cabeças, semelhante a um leopardo, com os pés como de urso, e a boca como boca de leão: o Anticristo.
Segundo São João, o mistério do Anticristo é o espírito de apostasia daqueles que antes tinham a fé e agora negam a Vinda de Cristo em forma humana — seja no passado, seja no futuro.
Esse espírito de apostasia, possuído por muitos, culminará na pessoa do Anticristo. Nele se concentrará e consumará o mistério da Babilônia, tanto em seu aspecto religioso quanto em seu aspecto político, pois seu reino apóstata será sustentado por um império político que dominará o mundo inteiro.
Esse mistério de uma Babilônia alegórica parece ser o paroxismo do mistério da iniquidade revelado por São Paulo em 2 Tessalonicenses 2, 7, referindo-se talvez a um poder instalado como capital do mundo, talvez com aparências de piedade, como o Falso Profeta.
No Apocalipse foram apontadas com muita clareza uma grande potência política e uma grande potência financeira na figura da Grande Prostituta, que significa a religião adúltera.
A potência política é indicada pela Besta vermelha com suas 7 cabeças e 10 chifres, que representam um grande império pagão e satânico: é a Besta que emerge do mar.
A potência financeira é representada não só pelo ouro e pelas gemas que cobrem a Prostituta, mas sobretudo pelos lamentos de todos os comerciantes da terra quando ela é destruída. Trata-se, pois, de uma cidade financeira capitalista: o império e o centro do capitalismo mundial.
A Grande Prostituta representa três realidades concretas que serão — e já começaram a ser — uma só e mesma coisa, três coisas que, portanto, se implicam mutuamente:
- a última heresia,
- a cidade onde essa heresia terá sua cabeça,
- o império que essa cidade governará, o império "fenício" [cuja visão do mundo é dominada pela economia e, em última análise, redutível a ela (nota de lasapiniere.info)].
A fornicação significa a religião idólatra do Estado, que depois se converterá na religião sacrílega do Anticristo. As palavras fornicação, adultério, prostituta, devassidão e outras aparecem mais de 100 vezes nos antigos Profetas no sentido de idolatria — e são aplicadas apenas a Jerusalém, jamais a Nínive, Babel ou Mênfis. Israel é a esposa de Deus...
Que cidade é essa, afinal? Não o sabemos: suas características não se aplicam às cidades atuais. As indicações que São João nos dá são:
- uma cidade capitalista com poder mundial,
- um porto,
- a cabeça ou centro de uma religião falsificada, idolátrica ou política.
A mulher oprime a Besta e não a aplaca; mas os dez chifres (ou reizinhos) a destroem num só dia e colocam todo o seu poder a serviço da Besta.
Eles mesmos odiarão a Prostituta, que antes fora objeto de sua paixão, e lamentarão sua queda depois. Vemos assim como Deus se serve de seus próprios inimigos para realizar seus planos; e, apesar de tanta maldade, sairá de tudo isso um imenso bem: a queda da Grande Babilônia.
Dessa forma, essa potência anticristã na ordem espiritual perecerá pelas mãos da outra força anticristã da ordem política, a qual, por sua vez — com todos os reis aliados — será finalmente destruída por Cristo.
"Depois disto, vi outro anjo descer do céu, que tinha grande autoridade; e a terra ficou iluminada com a sua glória. E ele clamou com grande voz, dizendo: Caiu, caiu a grande Babilônia! Ela se tornou morada de demônios, guarida de todo espírito impuro, refúgio de toda ave impura e abominável. Porque todas as nações beberam do vinho da ira da sua prostituição, e os reis da terra se prostituíram com ela, e os mercadores da terra se enriqueceram com a força do seu luxo." (Ap 18, 1-3)
O Reino ainda é futuro; e o "dia do Senhor", ou seja, o Reino de Cristo, não virá antes que a terra revele a apostasia e se manifeste o filho da perdição, o qual, sentando-se no lugar santo, se proclamará Deus, sendo adorado por todos os habitantes da terra cujos nomes não estão escritos no livro da Vida.
E então, só então, virá Jesus como Rei dos reis e Senhor dos senhores, e matará o ímpio com o sopro de sua boca.
Essa súbita aparição de Cristo no meio da noite de espantosa apostasia e desolação será como a pedra vista por Daniel, que de repente se desprende do céu e fere os pés da estátua — isto é, os dez reis do Apocalipse.
A destruição do Anticristo marcará o triunfo da Igreja e o início da manifestação dos filhos de Deus no Reino de Jesus Cristo.
Pe. Ceriani, 2007.